SORTE GRANDE

João Valdir há pouco encerrara sua semana. Tinha sido difícil, de muito trabalho na metalúrgica. Mas estava acostumado, assim passara a grande parte de sua vida. Ficava feliz por estar perto da aposentadoria. Não perdia as contas, ainda faltavam dois anos. Era sábado, e a noite caía quando chegou em casa. Foi ao banheiro, tomou seu banho, e voltou, para o prato de arroz, feijão, e um bife com carne de segunda, que lhe esperava para o jantar.

Como de costume, sentou-se ao sofá, e ligou a televisão. Gostava de toda noite olhar o jornal nacional. Não ligava muito ao discurso dos caras do sindicato, que pregavam que o jornal era o instrumento em que a burguesia manipulava as “massas” do país. Ele gostava do jornal. A única coisa que lhe aborrecia eram as mesmices nas notícias: balas perdidas, corrupção, tráfico, violência, efeito-estufa...

Feita a refeição, levou o prato até a pia, sua patroa esperava para findar o trabalho doméstico. Retornou ao sofá, e ao jornal, que apresentava a última notícia do fim de semana: “E agora os números do sorteio da mega-sena, 07-11-15-27-42-43”.

Os números lhe eram familiares. Sua data de nascimento, da mulher, dos filhos... Correu até o papel da aposta que fizera na lotérica, tinha que conferir sua suspeita. Estava certo, eram os números que há tempos jogava toda semana, sempre na esperança de deixar um futuro melhor aos seus filhos, do que fora seu passado,e o seu presente. Este dia, então finalmente chegara. Pensou gritar, para que o bairro todo ouvisse. Não conseguiu. Dez milhões eram muito mais que seu enfraquecido coração podia suportar. Sua voz embargou, o ar lhe foi insuficiente, até que um estrondo de seu corpo batendo ao chão foi ouvido por toda a casa. O infarto foi fulminante.

Todos correram ao seu auxílio – inclusive sua sogra, que com ele morava – mas era tarde. Em suas mãos o bilhete, o passaporte de uma nova vida para sua filha. Só que nesta viagem ele não participaria.