‡ Sonho no sonho ‡

Desde pequena tinha um sonho: casar-se, construir família; ter filhos e assim, espelhar seu lado infante e adulto pelo resto de seus dias.

Certa noite, deitada em sua cama quente e aconchegante, uma voz ruidosa tomou conta de sua mente, fazendo-a perder completamente o sono.

Por debaixo do lençol, uma mão cadavérica a puxava. Gritou muda!!! Fora levada para um mundo estranho, pútrido; lôbrego onde somente seus piores pesadelos poder-se-íam ser-lhe apresentados. Apática e aparentando estar com 2 anos de idade, aquela criança resmungava e plangia lágrimas de dor e solidão, diante do cenário tétrico.

Caminhou e caminhou floresta adentro e, resfolegante, como se tivesse fugindo d´algo, deparou-se com uma casucha de madeira, velha e não muito detalhada.

E lá estava ela, a velha cadavérica a qual havia lhe chamado e puxado para seu mundo de desilusões.

- Sê bem-vinda, minha filha! - recepcionou a velha, com sua voz doentia e assustadora.

- Quero minha casa, quero a minha casa!!!! - respondeu aos prantos a pobre garotinha.

- Não se vá, minha querida, venhas, entres; tenho docinhos para você!

- Não quero tia, não quero; preciso voltar! Onde estou?

- Oh, não conheces este lugar, princesinha? - indagou a velha em tom irônico. - Este é o lugar em que sua mente e coração viajam noite adentro em seus sonhos, esqueceste de mim; pobre menina?

A garotinha, tomada por um pávido irrepreensível, prostrou-se diante da casucha e, frente à lutuosa figura, chorou lágrimas de sangue.

A velha, abriu a porta do casebre e, trôpega e corcunda, amortalhada em farrapos, abrandou o choro da menina tocando o ápice de seu coronário.

- Não chores, garotinha, não chores! Vê? Entres e ganharás os doces os quais prometi.

A menina, cambaleando por tamanha angústia, deu sua pequenina mão à velha e rumou casa adentro.

O interior daquele lugar era hórrido. Teias d´aranha por todos os cantos, olor de mofo pairando no ar, retalhos de pele humana esticados sobre as cadeiras e muito alimento podre. A decrépita figura, abriu sua antiga geladeira, tomando em sua mão uma deliciosa torta de morango; fresquinha, sem mofo ou podridão alguma.

Os olhos da garotinha faiscavam perante tamanha vontade em saborear aquela saborosa guloseima. A dona da casa, sacou uma faca de açougueiro, apontou à menina e quando esta achava que iria levar um golpe, cerrou seus olhinhos. A velha então rumou para a torta, fatiando-a e oferecendo um naco à assustada criança.

Ela agradeceu e alimentou-se com astúcia e gana. Aquela bruxa então fora colocando à mesa dezenas de outras guloseimas, enchendo os olhos daquela criança, e, sendo assim, seu pequenino estômago.

Aos poucos, a guria fora tomando forma de barril, começou a inchar sem cessar e gotículas de sangue desprendiam-se de seu umbigo. A bruxa então sacou novamente a faca e quando iria golpear seu abdômen....

- Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh! - acordou em sudorese do fatídico pesadelo.

Levantou seu quadril, ainda sonolenta, sacou um copo d´água a qual estava à cabeceira e num só gole bebeu por completo. Respirou e sentiu algo gélido e líquido escorrendo de seu estômago. Tirou o acolchoado o qual lhe encobria e junto do sangue morno, a água a qual bebera esvaecia-se pelo abdômen.

***

Do outro lado da vida, prostrada diante de seu notório caixão, plangia lágrimas de dor e horror, por não ter ouvido seu analista em suas consultas quinzenais:

- Procure cuidar de sua criança interna, pegando-a no colo, dizendo que você sempre estará ao seu lado; pois, assim sendo, seus medos se esvaecerão e as mágoas e angústias, não passarão de atores coadjuvantes em sua vida.

Junto de seu caixão, munida com saborosos doces, a velha cadavérica sorria emitindo ruídos dantescos, de mãos dadas à sua querida mãezinha.

...Sonho no sonho? Realidade absurda? Ou fuga da realidade?...

Cuide de sua 'criança interna' e colherá doces saborosos!

ao som de: http://www.youtube.com/watch?v=kIBeYoP9Wi0&feature=player_embedded

Tiago Tzepesch
Enviado por Tiago Tzepesch em 23/10/2014
Código do texto: T5009487
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