------------------ Para não acordar o bebê

Afastou o cobertor e escorregou devagarinho da cama: não podia acordar o bebê. Não acendeu a luz, para evitar o clic.  Pisou levemente o chão com as pontas dos pés. Foi ao banheiro. Abriu devagarinho a torneira.  Com os dedos, amorteceu a água para que não caísse com força na pia. Lavou o rosto bem devagar, tão diferente do que fazia. Escovou os dentes lentamente, cuspiu a pasta quase que em câmera lenta. Tinha muito receio  de que qualquer barulho acordasse o bebê.

Desceu as escadas na ponta dos pés sem calçar os tamancos, assim não provocava o toc toc habitual nos degraus. Foi para a cozinha, ainda na semiescuriidão. Abriu lentamente as duas folhas da janela evitando qualquer ruído.  Levantou a tampa do fogão sem pressa e pôs-se a preparar o café, tomando o máximo  de cuidado para não bater as vasilhas, nem puxar as gavetas dos armários com estardalhaço.  Não queria que o bebê acordasse. Não podia correr o risco.

Retirou o leite e a manteiga da geladeira tomando cuidado para que a porta fosse fechada bem devagar. Era muito estabanada para abrir e fechar a geladeira. Agora não. Não podia acordar o bebê que dormia no quarto. Puxou a cadeira da mesa sem arrastar como era de seu costume. Sentou-se e abriu silenciosamente a tampa da cesta de metal para apanhar o pão.  Tomou seu café sem ligar o rádio no programa Juvenal Matinal. Cruz credo de chegar até o bebê aquela barulhada de galo cantando e porcos grunhindo no chiqueiro (efeitos especiais que o radialista mais espalhafatoso da Rádio Aurora Boreal inventava para divertir os ouvintes).

Ao terminar o café, ainda na pontinha dos pés, preparou a mamadeira sem ligar o micro-ondas. Não poderia correr o risco de o apito acordar o bebê. O soninho dele era tão bonitinho. Parecia um anjo dormindo. Não se perdoaria se o acordasse. Deixou tudo nos lugares. Dentro em pouco, Vaninho estaria chegando do plantão noturno na enfermagem do hospital e poderia ajudá-la com o bebezinho. Ficava mais tranquila com o marido por perto. Foi para a varanda dos fundos e ligou do celular, para que sua voz não acordasse seu nenenzinho. Alertou o  marido   para não tocar a campainha quando chegasse em casa: o barulho poderia interferir no silêncio do quarto, não seria bom.

Quebrando os próprios recordes, em quinze minutos Vaninho entrou em casa. Ela já o esperava à porta de entrada. Ao vê-lo, pôs o indicador sobre os lábios, sussurrou:  

— Shiiii... Cuidado, muito cuidado para não acordar o bebê.

Vaninho estreitou-a com força nos braços. Duas  lágrimas quentes e grossas lhe escorreram pelo rosto. Acariciando com desmedido zelo  os cabelos da mulher que tanto amava, murmurou baixinho:

— Amor, vamos ver o Dr. César... Você sabe, nosso bebê dormiu faz muito tempo, não vai acordar... Nunca mais.