Cinderela

A camisa de uma tonalidade creme - quase branca - reverbera as luzes faiscantes, a cabeleira grisalha ressalta no ambiente da boate, ambiente que lhe é quase tão familiar como a sua própria casa. Por ali passeia à vontade, distribuindo beijos entre as mulheres, convidando uma e outra para dançar. A maioria aprecia os seus dotes de bailarino, o seu talento para conduzir a parceira pelo salão.

- Oi, Beto!

Abre um sorriso satisfeito quando o abraçam, puxando-o para o meio da pista. Mas, preserva-se, duas ou três músicas bastam, volta a sentar-se para curtir a movimentação dos pares, ou uma boa conversa com os amigos. Apesar de ser muito popular entre os que freqüentam o local, ninguém sabe muito a respeito de sua vida. Dizem que, após ter sido traído pela mulher, a quem adorava, jurou que nunca mais entregaria o seu coração. Parece que trabalha muito para sustentar dois filhos, ainda adolescentes. E, fato indiscutível, é um homem da noite.

Beto gira os olhos claros pelo salão, toma um último gole de cerveja, observa os casais que se retiram. A madrugada vai alta. Enfia o casaco, enrola a manta em torno do pescoço e sai em busca do carro. Naquela noite, como em boa parte de outras, chega sozinho em casa: dá um suspiro, esfrega o rosto com as mãos. Longamente. O encanto se desfez.

(Relançamento)