O vestido

A nossa rua era muita calma. Algumas crianças costumavam brincar em frente da casa da esquina. Do outro lado da rua, num chalé grande de madeira, morava um casal de seus vinte e poucos anos. De vez em quando, o marido me cravava o olhar; eu fingia não notar e seguia no rumo das minhas atividades.

Dedicava-me muito aos estudos, estava começando a faculdade. Além disso, tinha um emprego de meio turno em um escritório, o que preenchia a maior parte do meu tempo.

Um dia, quando voltava das aulas, o vizinho da frente atravessou em minha direção. Disse-me umas palavras melífluas. Fiquei chocada: “Mas tu não és casado? Eu, heim?”

De fato, ele absolutamente não me atraía. Dei de ombros e entrei em casa. A situação continuou por algum tempo, até que um dia me deparei com a mulher. Simpática, veio conversar comigo. “Precisava falar contigo. Podemos entrar um pouquinho?”

Acedi, abri a porta de casa, esperando que não fosse nenhuma encrenca. Ela aproximou-se timidamente de mim e contou uma história estranha. O marido estava descontrolado por minha causa. Eu não aceitaria ter um relacionamento com ele?

Arregalei os olhos. “Pelo amor de Deus, moça, nunca vi proposta mais maluca! Procura reconquistar o teu marido, não quero nada com ele.”

Ela continuava com olhos súplices. “Não sei o que fazer. Tu não poderias dizer isso a ele? Por favor.”

Quase morri de pena. Disse que o mandasse vir na semana seguinte. Marquei um horário em que eu não estaria sozinha. No dia acertado, ele apareceu com um embrulho na mão.

“Eu te trouxe um presente”. Instintivamente, desembrulhei, era um vestido branco, de renda. “Achei que ia ficar muito bonito em ti.” Ele me olhava fixamente, procurei ficar calma. “Parece que houve um mal-entendido, a tua mulher pediu que eu te explicasse que não temos nada um com o outro. Quero que vocês sejam muito felizes!”

Abri a porta e convidei-o a sair. Fechei-a bem, para que não voltasse. Quando virei as costas, dei com o pacote do vestido em cima de uma cadeira. O que eu faria com aquele vestido? Pensei e repensei, até que um dia, quando chegava em casa, quase esbarrei na moça da casa defronte.

Tristonha, ela me perguntou: “Já sabe o que aconteceu?” Eu não sabia. Disse que o marido havia ido embora. Então me lembrei do vestido. Falei que tinha uma coisa para lhe dar. E, diante da sua surpresa, fiz-lhe a entrega do vestido.

Observação: Conto produzido a partir do poema "O caso do vestido", de Carlos Drummond de Andrade. Proposição da Carreira Literária, no curso "O conto - a escrita do nocaute".