PRAIA DA ANGUSTIA

PRAIA DA ANGUSTIA

- Este lugar parece mágico. Comentou Heitor enquanto caminhava de mãos dadas com vovó Ismênia. – Esta praia é fantástica, esse por de sol... Maravilhoso. Como pode um lugar tão lindo ter um nome tão triste? Praia da Angustia!

- Correm entre os pescadores mais velhos histórias de uma jovem da região que foi encontrada sem vida na beira do mar. Dizem que morreu de amor.

- Ah, vó, morrer de amor... Fala sério. Comentou incrédulo Heitor enquanto se abaixava, distraído para apanhar uma concha cor-de-rosa que rolava na areia empurrada pelas ondas que se espichavam preguiçosas na praia.

Mais tarde, naquele mesmo dia, Heitor foi indagar ao Seu Juvenal sobre essa história, da moça encontrada na beira da praia. Aquela que deu esse nome tão triste a este lugar tão lindo.

Negro, beirando aos noventa anos Juvenal era pescador por profissão e contador de histórias por devoção, daqueles difíceis de encontrar. Sabia com ninguém desfiar um causo, como dizia, enquanto pacientemente ia, ponto a ponto, tecendo uma nova rede que a Cooperativa dos Pescadores da Vila haviam encomendado. Rede das boas, de encher barco de peixe de dar muito lucro.

- Senta aqui na beira da rede. Ordenou Juvenal se afastando para dar lugar ao garoto. Esse causo é dos mais tristes. Nem gosto muito de lembrar. Faz um tempão, meu finado pai, que Deus o tenha, ainda era vivo, e viu tudo, tintim-por-tintim. Tudo começou há muito tempo...

Foi amor a primeira vista, daqueles que arrebatam, que deixa zonzo, fazendo do alvejado gato e sapato. Aconteceu sem mais nem menos, não pediu licença, instalou-se de mala e cuia no coração de Tereza e daí se espalhou feito erva daninha pelo resto de seu corpo. E que corpo. Morena de beira de praia, sacudida e bem moldada fazia arrepiar os cabelos e a imaginação dos homens da beira do cais, de onde saiam os barcos para a pescaria em alto mar.

Tereza não era daquelas. Daquelas de amor só de olhar. Tereza era mulher de amar de verdade, amar de pegar, de rolar, de apalpar de gozar. Por noites não pregou os olhos, virava na cama, transpirava, tremia, arrepiava. Quando não suportava mais corria para a praia e abrandava seu fogo nas ondas frias da noite. Já não dormia mais, suas noites eram no mar. Era um gostar de assustar. Não de assustar Tereza, que jamais fugira de amar, mas de assustar quem visse aquele jeito de estar.

A cada dia era mais triste o por do sol anunciando as angustias das noites de Tereza. Não havia jeito que se desse. A família mandou rezar missa, acendeu velas, jogou flores para Iemanjá, cumpriu promessa, buscou médico e benzedeira, mas qual... Aquele amor danado tinha transformado a moça em sombra do que já fora. Perambulava como um fantasma pela praia juntando, no regaço da saia, todas as conchas cor-de-rosa que encontrava.

Numa manhã de agosto de frio cortante e chuvisqueiro que formigava no rosto dos que se atreviam estar ali, na beira do cais, encontraram a moça estendida na areia, olhos semi-serrados, cabelos longos e encaracolados cobrindo um dos seios, os lábios entreabertos deixando escapar um delicado sorriso. Tereza estava morta. À sua volta, conchas cor-de-rosa...

Heitor parecia hipnotizado com a narrativa do velho pescador, olhou para a concha que segurava entre os dedos e um arrepio profundo transpassou todo seu corpo.

-É filho, causo triste esse. Comentou Seu Juvenal.

O garoto despediu-se e rumou para as bandas do cais. Defronte ao mar olhou sua concha e a colocou delicadamente na areia. De seus olhos rolaram duas sentidas lágrimas. Era amor à primeira vista.

Claudio De Almeida
Enviado por Claudio De Almeida em 25/04/2008
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