O JUIZ E O CIDADÃO

João homem simples, que sustentava cinco filhos e sua senhora, ganhava a vida diante de uma batedeira de açaí. Num belo dia, como de costume, acordou às três e meia da manhã pegou a sua caminhonete vermelha surrada, que não possuía estepe e o retrovisor esquerdo era todo riscado, saindo recentemente da mecânica do senhor Amarildo, saiu cantando naquela que seria a última madrugada em liberdade.

Seguiu com o seu ajudante o Saci pela estrada da Fazendinha e ao chegar no município de Santana enfrentou uma enorme fila para pegar os sacos de açaís, que por sinal estavam muitos caros.Contudo, João consegui negociar e quando já ia embora Dona Zélia, que estava grávida e não havia conseguido frete para levar as suas sacas apelou para a sua caridade e pediu-lhe que levasse as suas sacas, por um preço em conta, apesar do olhar ranzinza, senhor João não se negou a ajudar e fez o frete.

Já eram cinco horas da manhã e a chuva começara imprudentemente a cair, mas o senhor João como de praxe seguir o seu horário para entrega de alguns sacos e quando terminou as entregas.Logo depois, veio embora para Macapá com o seu ajudante saci e a dona Zélia, pela estrada de acesso a sua casa, até porque, dona Zélia morava lá.

Na estrada Duque de Caxias já próximo à lagoa dos índios, sob aquela beleza rara de garças avulsas sobre o matagal aljofado, quase chegando à residência da dona Zélia a caminhonete, que parecia doutrinada, por falha mecânica descontrolou-se e bateu por trás um carro preto luxuoso fazendo-o colidir com mais dois.

A caminhonete em si pouco sofreu, Saci teve umas escoriações, dona Zélia e João bateram a cabeça, mas não havia sido grave.Nos outros veículos o estado das pessoas era de susto e o mais grave se estendia aos danos matérias.

Contudo, aquela calmaria da madrugada seria fielmente perturbada pelo descontrole emocional do senhor Ricardo, que se identificando como juiz, avançou no sereno da noite sobre aquele humilde trabalhador, com inúmeras palavras hostis, e que foi contido pelas pessoas presentes. Não contente após falar demais chamou pelo seu celular a polícia, que ao chegar no local recebeu ordens do tal juiz para prender o senhor João.

As pessoas dos outros veículos que foram envolvidas no acidente, dona Zélia e o saci tentaram conter excesso do Juiz, mas como a ignorância faz o medo, se deixaram repelir. E a manifestação foi abafada pela austeridade do senhor Ricardo, que dono da situação, mostrando tudo o que não se deve seguir,quando de posse de certo poder, conseguiu que a viatura, levasse aquele senhor.

O senhor João foi conduzido ao Posto policial, autuado em flagrante e recolhido a cela. Numa semana de processo o senhor João foi enviado a penitenciária. As suas coisas a família teve que vender as presas para pagar as dívidas do acidente e no final, o pobre foi condenado a seis anos de prisão, que cumpre religiosamente, como um bom cidadão injustiçado.

No dia do julgamento, muitas pessoas de seu bairro, que conheciam a índole de João fizeram cartazes, discursaram, apelaram ao bom senso da justiça, mas como a justiça aqui na terra é feita por homens, é feito por um coorporativismo classista, o absurdo da arte, da poesia, das telas dos grandes pintores, que encanta e fascina muitos, foi na realidade de tantos outros absurdos capitais mantida como a lei de autoridade.

Naquele exato momento, em cada lágrima inconformada pela sentença recebida, em cada passo triste e lento, dado em direção a prisão pelo senhor João, por sua família e por seus amigos que foram o símbolo de união naquele inicio difícil, a bandeira brasileira hasteada no alto do mastro do fórum, mesmo com a brisa suave e bem vinda do rio Amazonas, envergonhada não se mexia.Por sua vez a democracia, tantas vezes lapidada com sangue e suor de inúmeros brasileiros, tantas vezes fustigada, para sua efetivação definitiva, por atos como esses, sepultou de vez, sem glória na historia da cidade a morte da cidadania.

Alberto Amoêdo
Enviado por Alberto Amoêdo em 26/05/2008
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