O silêncio

Era dia. Entretanto, um silêncio noturno parecia reinar.

-Que sensação estranha_ pensou, levantando-se da cama.

-Mas que bobagem! Devo estar ainda perturbado por resquícios inconscientes de sonhos… _ E aguçou os ouvidos, à procura de qualquer som.

Porém, nada se ouvia; nada além de um inspirar e expirar cada vez mais agitados. Bateu palmas e escutou o eco de suas mãos. Falou e pôde ouvir a própria voz. Mas e os sons de seus familiares? E o barulho dos motores e das buzinas advindos da tantas vezes maldita avenida? Onde estavam todos aqueles ruídos? Parecia não existir vida fora daquele quarto. Apenas uma calma assustadora contrastava com sua aflição interna.

Riu-se de si mesmo. Vai ver acordara mais cedo do que imaginou… Viu o relógio: 12:30 da manhã. Novamente o pânico. Um tremor frio apoderou-se de seu corpo, em suas veias pareciam correr alfinetes pontiagudos. Pensou em abrir a janela. Teve medo, hesitou. Suas pernas não respondiam, recusavam-se a andar. Inspirar, expirar, inspirar, expirar, devagar, pela barriga. Foi o que aprendera nas aulas de yoga. Tinha de retomar a calma. “Seja racional, seja racional!”. Por fim, andou até a janela. Encostou o ouvido na madeira, procurando ouvir a rua. Nada! Nada! Nada! Será possível? Faltou-lhe coragem para suspender o ferrolho. Decepcionava-lhe sua covardia ante aquela situação. Ele só podia estar sonhando, aquilo havia de ser um pesadelo! Cerrou os olhos com força, procurando acordar. A escuridão por trás de suas pálpebras aterrorizou-o ainda mais. Abriu-os rapidamente. Foi até a porta, tentou ouvir através dela. Apenas o silêncio. Gritou por sua mãe, por seu irmão, sua voz produzia um som apavorado. Ninguém respondeu. Girou a chave. Primeiro uma volta, depois outra. Podia ouvir o som metálico da trinca destravando. Girou a maçaneta. Segurou-a assim por alguns segundos ainda. Respirou fundo, prendeu o ar. Foi abrindo a porta devagar, apenas uma fresta. Um ar frio penetrou pela fina fenda. Todos os seus pêlos eletrizaram-se. Colocou um olho cuidadosamente naquele espaço. Estava escuro, como se o apartamento estivesse todo fechado. Foi abrindo mais e mais a porta, até poder passar a cabeça pela abertura. O corredor estava deserto, as portas dos outros quartos estavam fechadas. Absolutamente nada se ouvia. O pânico tomava agora proporções radicais. Fechou a porta novamente, trancando-a. Tinha medo do que poderia encontrar fora daquele quarto: um mundo absolutamente deserto, morto em todas as suas células, a solidão, a solidão! Gritou. Queria romper o silêncio, destruí-lo. Como um deus desesperado a criar o universo, gritava. No princípio era o verbo! Gritou até não poder mais, até suas cordas vocais calejarem, até esvaírem-se todas as forças…

Acordou com seu próprio grito. O suor percorria-lhe a testa, o pescoço, as costas… A garganta doía. Olhou para o relógio: 13:00. Algo explodiu na rua, um cachorro latiu. Levantou aliviado. Abriu a porta. Deparou com seu irmão e sua mãe, que também saiam de seus quartos naquele instante.

-Esta noite tive um sonho estranho!_ apressaram-se o três em dizer.

Eleanorrigby
Enviado por Eleanorrigby em 06/06/2008
Reeditado em 18/08/2017
Código do texto: T1022143
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