Era 12 de junho...

Como de costume, voltava no final da tarde para o seu apartamento. Minutos antes, se despedira da turma do dominó, com a qual se reunia todas as quartas-feiras para uma animada tarde de apostas insignificantes, em um bar do centro.

Bebeu, perdeu, ganhou, conversou sobre música... E quando falava em música, ele crescia, era pura paixão; os amigos diziam que seus olhos se perdiam de seu corpo ao comentar as letras que recitava para Isabel após o sexo...

Um dia, ele subiu as escadas do bloco onde morava, vinha de mais uma consulta com seu médico - A tendinite estava preocupando-o. Não conseguia mais tocar com facilidade o chorinho que tanto gostava. Lembrava-se de um colega do curso de Música da faculdade, que foi obrigado a abandonar o piano devido às fortes dores no pulso... Bloqueava esses pensamentos... Ignorava as mesmas dores - procurou as chaves da porta nos bolsos e no desvio do seu olhar, viu uma caixa embalada num papel brega, ao lado do tapete da entrada de seu apartamento. Recolheu. Entrou. Foi direto para a cozinha e colocou pra esquentar a lasanha que pegou na casa da mãe.

A fome venceu a curiosidade: ele devorou a lasanha, acendeu um cigarro, sentou-se no sofá da sala e só ai, saciado, rasgou o papel brega. Descobriu um disco de um maldito da MPB que ele adorava... Leu na contracapa: ”Com amor, Isabel”.

Era 12 de junho...

Isabel era uma universitária que dava aulas de Literatura, numa escola pública em Recife. Eles se conheceram como dois vadios, dois insones internautas na madrugada, e daí em diante, foi amor, monitor e CPU. Webcam e microfone ligados, ele cantava Chico, ela lia Drummond, ele ria, ela sublinhava.

Seguiram os dias. E numa noite em que a cidade se banhava, tocou a campainha do apartamento. Ele guardou as partituras que revisava e foi até a porta. Abriu. Era Isabel. Não se abraçaram - aquilo foi bestial – esqueceram as malas no corredor, e no tapete da sala, desmaiaram um no outro.

Depois de algum tempo, ela conseguiu emprego numa escola do centro da cidade e não voltou mais pra Recife. Telefonou pra mãe, disse que quando pudesse , iria visitá-la junto de seu “maestro cearense”. Riu quando desligou. Sentiu orgulho de sua vida. Isabel era assim mesmo, como um ponto “g” na mão.

Já havia se passado dez anos dentro daquele apartamento e, apesar das muitas tentativas, ela não engravidava. De certa forma, o sexo entre eles era tão bom, que seria profanação se procriasse. Mesmo assim, tentaram até que um deles não pôde mais, pois da morte só nasce saudade, e foi esse o filho que Isabel deu ao seu maestro.

Era 12 de junho...

Como de costume, voltava no final da tarde para o seu apartamento. Minutos antes, se despedira da turma do dominó, com a qual se reunia todas as quartas-feiras para uma animada tarde de apostas insignificantes, em um bar do centro.

Deu sinal, subiu no ônibus pela porta da frente, um jovem levantou-se, cedendo, educadamente, seu lugar para que ele pudesse sentar. Agradeceu e pediu para segurar o embrulho que o jovem trazia na mão. Colocou-o em seu colo, reparou na forma envolvida em um papel brega... Sentiu seu coração desafinar. Viu-se regendo num teatro vazio. Desceu do ônibus, caminhou e entrou no apartamento. Pegou o bendito disco do maldito da MPB e colocou na vitrola que conservava na sala, deitou de braços abertos tentando preencher todo o tapete. Chorou.

Era 12 de junho...