Um café e um lamento

Era a primeira vez que ele chorava sinceramente. Abriu a porta do quarto feliz e instantaneamente se entristeceu. Talvez por costume ou saudade, ele esperava encontrá-la deitada na cama. Foi quando realmente compreendeu que ela não voltaria mais, nunca mais. Já passaram algumas semanas. Não era mais a ausência de férias que sentia até ali, era uma tristeza profunda qual não podia controlar ou engolir o choro. Nunca mais. Sentou-se na cama chorando e olhou o lado vazio que ela deixou. Deitou-se encolhido e agarrou o cobertor da cama como se fosse ela. Não mais a teria assim nos braços, cheirar seus cabelos, ouvir seus lamentos e angústias. Nada do que o irritava ou amava. Tentando responder às suas próprias perguntas de comos e porquês, percebeu que nada adiantaria. Ela morreu e nunca mais. Chorou seu nome até dormir, sem medo de ser ouvido.

Era a primeira vez que ele acordava e não esperou vê-la ao seu lado. A manha cinza trazia à lembrança os cheiros dos incensos que ela espalhava pela casa. Dos velhos poemas negros que ela escrevia ou recitava. Da velha máquina de escrever e do livro inacabado. E finalmente ela era isso, uma lembrança, uma boa lembrança e nunca mais. A pequena estátua de uma velha deusa olhava-o enquanto ele decidia se assistiria à tevê ou não. As cortinas brancas deixavam passar alguma pouca luz. As manchas púrpuras do refrigerante de uva ainda estavam lá. Uma festa antiga, festa que nunca mais. Acorda de seu transe com umas batidas na porta. Levanta-se e vai atender: “Desculpa se demorei, mas é que estava com sono e quase dormindo que não ouvi você batendo”. Era a vizinha. Perguntou pela esposa dele: “Nunca mais”. Um abraço, condolências, nada mais.

Era falta dela ou o nada sem ela, mas somente sua respiração profunda marcava aquele corpo inerte. Queria esquecê-la, poder voltar a sorrir. O uísque está com gosto ruim, seria o gelo? Ele nunca a compreendera antes, sua arte, mas nunca sentiu tanta falta dela quanto agora. Era a proximidade da morte, a morbidez nas palavras, o sobrenatural e o corvo. O maldito corvo que não o deixava a esquecer nunca mais. Jogou o uísque na pia e preparou um café. Bebeu e chorou, vestiu-se e foi trabalhar. Um café e um lamento, uma lembrança e nunca mais.