A DENTADURA DO PATRÃO

Numa noite de verão. Um apagão de luzes!

D. Olga, na sua varanda, ao ar livre, encontrava-se debruçada sob a leitura de um livro de anedotas. O esposo fazia palavras cruzadas num jornal que já havia lido. Era hábito depois do jantar sentarem-se ao fresco.

A criada Balbina de faces coradas e lábios carnudos, dedicada aos patrões, arrumava a cozinha, após o jantar.

Num repente surge a falta da energia eléctrica, começa a senhora a chamar pelo criada negra:

- Balbina!... Ó Balbina! vai buscar uma vela ao meu quarto! exclama a senhora que se horrorizava com a escuridão. Ela já sabia que aqueles acontecimentos da falta de luz eram frequentes e tardavam a vir.

A criada pergunta:

- Onde é que a senhora tem a vela? E cadê os “fósfos” que eu não dou com eles às apalpadelas?

- Ó mulher! Vem cá toma lá o meu isqueiro! - disse o Senhor Miguel!

- Vai ao meu quarto, abre a mesa de cabeceira, que eu tenho lá uma vela! – pede a D. Olga.

A criada atravessou os corredor que dava acesso aos aposentos dos senhores e lá entrou às apalpadelas. Acendia o isqueiro e perante a corrente de ar, das janelas abertas, de vez em quando lá carregava para o acender de novo.

Quando chega ao local onde estava a mesinha de cabeceira, a luz apaga-se no momento em que ela abre a gaveta e santo Deus! A mulher desata a correr e dizendo:

- Senhora Fantasmas! Senhora! Fantasmas! Eu vi senhora, caraça com dentes! Caraça com dentes… eu não vi vela, senhora…caraça com dentes! Casa assombrada , Senhora! Caraça Grande com dentes!

D. Olga tentava acalmar e fazer ver a Balbina que não haviam medos, nem fantasmas, nem feiticeiras, nem fadas com varinhas de condão, nem almas do outro mundo. Tudo isso eram crenças de eras bem longínquas. Até se olharmos aos tempos bárbaros, em que os povos levavam uma vida sem se pentearem, sem se lavarem, a própria religião surgiu no seio da ignorância dos ídolos mitológicos.

Mas a etnologia dos povos é surpreendente, ela leva-nos a conclusões seguras no estudo duma raça.

Perante o susto e o nervosismo de Balbina, sem conseguir acalmá-la, esta nem queria entrar em casa, não tiveram outro remédio que aguardar a chegada da luz eléctrica.

Passaram a noite toda de vigília até ao clarear do dia… O Senhor Miguel e a Dona Olga, ficaram na varanda, deitados numas confortáveis redes cearenses, onde adormeceram… A criada ao lado de ambos, ficou de vigia… “não viesse o fantasma aparecer por ali...”

Apenas no dia seguinte tiveram luz. A senhora já nem se lembrava do sucedido. Mas a criada negava-se a arrumar o quarto dos senhores com medo do fantasma e só dizia:

- Senhora a caraça com dentes mete medo, senhora!

- Eu não quero ver!

- Ela está no quarto da senhora, eu vi, eu vi…

Resolveu a senhora ir ao quarto, e, verificar se de facto, tinha lá a vela na sua mesinha de cabeceira. De facto, lá estava a vela dentro da gaveta, não havia dúvida. Mas então o que teria acontecido?

Pensando que talvez a criada tivesse aberto a gaveta errada, decidiu passar revista em geral. Em seguida abriu a gaveta do seu esposo e qual não foi o seu espanto quando ao abrir vê a dentadura do marido que deixara dentro da mesinha de cabeceira…

q- Está visto! Foi a dentadura do meu marido! - murmurou sorrindo.

A criada nunca tinha visto uma dentadura postiça, nem fora sequer a um dentista. Ao ter a visão da dentadura que estava na gaveta, de susto julgou ver a caraça com dentes.

D. Olga pegou na dentadura e foi mostrá-la à Balbina, a fim de convencê-la que não existem medos ou fantasmas.

- Ó Bina! Queres ver a caraça com dentes?

- Não Senhora! Eu tenho medo!

- Vem cá ver, está aqui na minha mão! E chamando o marido:

- Ó Miguel vem cá pôr a dentadura para a criada ver e perder o medo!

Ao ver a dentadura na boca do patrão, a criada diz:

- Ah! O Patrão é o Caraça com dentes! O Patrão e um Caraçudo!

Resta ainda saber se a Balbina perdeu o temor supersticioso.

E ainda existirá neste século, gente que crê nestes mistérios, que não passam de situações de grande humor?

zezinha
Enviado por zezinha em 03/07/2008
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