Retratos da Fé

A luz que vinha ao longe cada vez aumentava mais de tamanho, ouviam-se murmúrios abafados de preces, enquanto a procissão seguia por uma irregular estrada de terra, carregando enormes círios. A jovem Poliana abraçava-se à cintura da mãe procurando proteger-se da gélida brisa que soprava. Vez ou outra, a menina se assustava com os arroubos súbitos de fé de alguns romeiros, que em brado agradeciam ou suplicavam por uma graça ao milagreiro São Gregório.

O entardecer já ia ao longe, e a noite não tardou a cair, o frio aumentava gradativamente ao avançar das horas. A procissão prosseguia inabalável apesar das intempéries climáticas, levando a imagem do santo de sua devoção, cantando, rezando. Alguns choravam emocionados, outros riam felizes, era um momento de extrema fé e júbilo para aquele povo fervoroso, o dia do santo, e que eles celebravam com amor e boa vontade. Há muito S. Gregório se tornara milagreiro na região, ouviu-se notícia do primeiro milagre quase um século atrás, quando antes de sua morte tocou a fronte de um menino acometido de cólera e o curou. O “padre santo” como ficou conhecido em sua paróquia, realizara muitos milagres quando ainda estava vivo, e depois de morto não foi diferente, continuava a servir de objeto de fé e apoio para aquele povo sofrido. Faziam longas novenas, promessas, correntes de oração numa pequena capela que construíram em homenagem ao padre santo, e milagres aconteciam... Curas miraculosas de moléstias tidas como incuráveis pela medicina, chuva onde havia seca... E cada vez mais a fé do povo aumentava. Até que num ato de reconhecimento, o bispo da igreja católica indo ao local de seu final repouso, encontrou o corpo do santo no interior da urna mortuária, e através de um visor de vidro na parte superior do ataúde, contemplou, não sem estarrecer-se, a face do defunto incorruptível! Sessenta dias após seu falecimento!

O relatório seguiu para o vaticano, logo uma comissão de avaliação chegou ao local, e após ouvir todos os relatos sobre os milagres, testemunhar alguns e examinar o corpo do santo incorruptível, foi dado o veredicto: “O santo será canonizado.” Tal foi a alegria de toda a população, que começou imediatamente as obras para erigir uma igreja para o novo santo. São Gregório de Matos. Que se tornou nos dias atuais, o ícone mais popular da região.

A menina Poliana seguia com fervor sua mãe naquela longa peregrinação, que empreendera com propósito de curar a filha, achacada de um mal ainda pouco conhecido pela medicina da região. A menina vez por outra, era tomada por convulsões incontroláveis, caia no chão debatendo-se freneticamente, espumava pela boca emitindo grunhidos inarticulados, enquanto seus olhos viravam deixando à mostra suas escleróticas – coisa assustadora, diziam os que testemunhavam tal fato. Alguns faziam o sinal da cruz afirmando estar a menina possuída pelo demônio... Poliana já passara pela mão de diversos médicos, cada um dava um diagnóstico diferente. Alguns mesmo chegaram a afirmar que a menina estava hidrófoba, ao testemunharem uma crise de convulsão.

Por fim, desesperançosa e sem perspectiva de obter a cura de sua filha pelos meios convencionais, D. Maria Albuquerque engajou-se numa cruzada de fé, entregando suas esperanças nas mãos do santo milagreiro. Onde ciência e medicina falharam talvez o sobrenatural seja bem-sucedido. Realizava a longa peregrinação com um propósito, após semanas e mais semanas de promessas, enfim, o dia chegara e ela tinha em seu interior a certeza de que sua filha seria curada. Na realidade sua fé era tal que já sentia sua filha sã.

Á medida que os quilômetros de peregrinação eram vencidos pela determinação, fervor e suor dos fiéis, um regozijo geral e uma aura de amor e satisfação podia ser percebida.

A imagem sacra seria levada até a igreja de S. Gregório, e lá colocada em seu nicho, onde poderia ser visitada pelos fiéis, pagadores de promessas e turistas. Somente então, a peregrinação estaria terminada.

Os fiéis fizeram uma parada no trajeto numa fazenda onde foram alimentados, e ali pousariam até o dia seguinte. A dona da propriedade, uma mulher boa e caridosa ofereceu-lhes além de pouso e alimento, mantimentos extras para que levassem durante sua longa viagem, e, pudessem subsistir até sua chegada em seu destino. Tudo estava calmo até que Poliana teve um novo surto convulsivo. O pessoal reunia-se do lado de fora em torno de uma fogueira, e cantavam hinos de louvor ao santo, quando a menina Poliana deu um grito e subitamente seu corpo estremeceu e começou a debater-se, por pouco ela não caiu na fogueira. Mãos fortes e ágeis seguraram-na a tempo. Rafael um jovem marceneiro tomou-a nos braços enquanto ela se debatia, e com a ajuda de sua mãe, deitaram-na no gramado. Lágrimas rolaram pelo rosto de Maria Albuquerque ao ver a filha machucar-se enquanto tinha o acesso. Lembrava-se das noites em claro por que passou ao lado da filha, temendo por uma nova convulsão, que poderia ocorrer a qualquer momento. Essa atitude desenvolveu um comportamento depressivo em sua personalidade. Maria Albuquerque estava visivelmente abalada, e à beira de um ataque de nervos.

__ Chegaaaaaaaaaaaaa!!!!!!!!!!! __ ela bradou de repente desesperada. __ Eu não suporto mais, não suporto mais essa vida! Meu Deus, por favor, me ajude! Ajude a minha filha. __ Maria caiu de joelhos ao lado da menina, que parecia estar voltando ao normal. Uma senhora se aproximou e cobriu Poliana com uma manta, ofereceu um sorriso terno para aquela mãe desesperada e segurou em sua mão.

__ Minha filha, __ disse a velha __ tenha fé. Tudo há de se resolver. Deus não coloca obstáculos em nosso caminho que nós não possamos superar. Acredite, sua filha será curada!

Poliana com a cabeça sobre o colo de sua mãe abriu os olhos, fitou o rosto enternecido dela com os olhos vermelhos e cheios d’água e abriu um amplo sorriso.

__ Mãe... Eu tive um sonho lindo! Sonhei com uma luz, e de dentro dela veio São Gregório, ele sorriu para mim e colocou sua mão em minha cabeça dizendo: “Minha filha, não se preocupe, Deus teve misericórdia de você! Estás curada...” __ Foi o sonho mais bonito que já tive. Sabe mãe, agora tenho certeza de que ficarei curada.