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Março de 1941 - O início da grande mudança na vida de minha mãe Nina.


Acontecimentos marcantes pontuaram o mês de março de 1941. 

 
Na Europa, a Segunda Guerra Mundial espalhava-se rapidamente, enquanto campos de extermínio eram abertos na Alemanha. Por sua vez, os Estados Unidos tinham aprovado uma Lei de Empréstimos e Arrendamentos objetivando ajudar, economicamente, os países em guerra com a Alemanha.
 
Nessa mesma época, o Brasil perdeu seu primeiro homem na guerra, José Francisco Fraga, tripulante do navio mercante Taubaté, que fora atacado por um avião alemão no Mediterrâneo. Um período marcado, também, pela prisão de Monteiro Lobato na cidade de São Paulo, quando lutava a favor do petróleo brasileiro.
 
Em contraponto, acontecimentos positivos foram destaques em março de 1941. Na literatura, o ilustre alagoano Graciliano Ramos deu início a publicação das crônicas
Quadros e Costumes do Nordeste’, no Rio de Janeiro. Enquanto isso, Pontes de Miranda, outro brilhante alagoano, atuava na Embaixada do Brasil, na cidade de Bogotá.
 
Todos esses fatos históricos sublinharam a realização de sonhos e fracassos de muitos brasileiros. No entanto, a vida girava em torno de dois mundos... 
 

 O início da grande mudança na vida de minha mãe Nina!

 
Numa pacata cidadezinha nordestina parecia que os acontecimentos borbulhando no mundo não faziam parte do contexto. A promissora Atalaia, localizada na Zona da Mata alagoana, destacava-se pela privilegiada terra fértil adequada ao plantio da cana-de-açúcar. Nos Engenhos de Bangüê, a cana transformava-se em açúcar demerara e melaço. Os Senhores de Engenho, proprietários de grandes faixas de terras, detinham o poder econômico e faziam suas próprias leis. Eles compravam o título de C
oronel e eram respeitados pelo povo atalaiense que, resignado, acatava as ordens estabelecidas por eles. A favorável situação canavieira cobria os coronéis de orgulho, pois o retorno financeiro proporcionava a aquisição de mais terras, viagens e os estudos dos filhos na capital pernambucana, baiana e até carioca. Cidades com ótimos internatos e faculdades.  
 
Aos domingos, nas casas-grandes das fazendas, as famílias e amigos dos coronéis reuniam-se para prosear em torno de uma farta mesa de almoço. Um dos assuntos prediletos recaía sobre as expectativas dos Senhores de Engenho em apresentar a sociedade um filho doutor. Este assunto prosseguia durante a sobremesa, sempre regada a variados doces caseiros, última etapa da conversa na sala de jantar. Terminada a comilança, todos se dirigiam à varanda, sendo servido licor de jenipapo – para os homens – e, em seguida, o tradicional cafezinho com biscoitos de polvilho para todos.
 
As crianças brincavam, enquanto os adultos conversavam animadamente. Os gaiatos aproveitavam para contar os
causos; enquanto outros, mais sérios, desfiavam sobre a vida de estudante fora daquele mundinho atalaiense e demonstravam a alegria em se tornarem doutor.  Às vezes, o padre aproveitava a boquinha e participava dessas reuniões tão animadas. 
 
O povo atalaiense
orgulhava-se de sua terra e por ela nutria amor eterno. Só acontecimento muito especial para que o nativo se desgarrasse de Atalaia. E mais: os forasteiros que por aquelas bandas passavam, davam um jeito de por lá fazer moradia. Isto aconteceu com o industrial francês Barão de Vandesment, um vanguardista que se encantou com a beleza da cidade e a hospitalidade do povo atalaiense, implantando a 1ª usina de açúcar da região. A usina ‘Brasileiro’ destacava-se pela alta tecnologia e as benfeitorias realizadas em prol dos empregados. Era o início do crescimento do comércio de Atalaia. 
 
O mundo em Atalaia, portanto, baseava-se numa vida tranqüila cultivada pelo amor as suas raízes e na fazenda Esperança não poderia ser diferente... O espírito de apego ao torrão atingia, a todos, principalmente as irmãs Dita e Nina, filhas mais novas do Major Luiz – um grande proprietário de terras – falecido havia 11 meses. Sem os pais, as adolescentes partiriam de Atalaia para estudarem em Recife acatando a determinação do irmão paterno e tutor, Rubens. 
 
Os sonhos de Nina e Dita,  acalentados naquela paisagem verdejante, agora pareciam distantes! As saudades do pai eram amenizadas no dia-a-dia... Consolavam-se ao sentirem o cheiro de terra molhada, ao tocarem as águas geladas do açude – que tantas vezes serviu para bons mergulhos –, ao ouvirem a cantoria do vaqueiro e ao observarem a plantação de milho, mandioca e batata, que o Major Luiz gostava de labutar. Todas essas recordações tão presentes, complementadas pelos passeios aos domingos, não mais aconteceriam. Não seria fácil deixar a fazenda Esperança. Entretanto, Dita adorava novidades e a caçula, Nina, gostava muito de estudar. Estes seriam os ingredientes de estímulo na hora da partida: a curiosidade de uma e a vontade de aprender da outra! A vida pacata de Atalaia seria coisa do passado.
 
Com o pensamento voltado para os estudos, Nina encorajou-se e resolveu abrir a grande mala – de couro marrom – jogada em cima da cama. Nela acondicionaria seu enxoval, algumas jóias, fotografias e outros objetos importantes. A dificuldade residia em quais objetos dar prioridade, pois seria uma viagem sem data marcada para voltar, sem perspectiva alguma de retorno a Atalaia. Todos os seus guardados não se tratavam de simples pertences, acumulados durante seus quinze anos de vida, mas objetos de altíssimo valor sentimental. De qualquer maneira, não dava mais para adiar a arrumação da mala. Lágrimas rolavam naquele rostinho cheio de saudades do pai, dos momentos felizes vividos ali, de sua casa, enfim, de um lar que havia sido desfeito... Finalmente Nina fecha a mala resignada com seu destino. Ela estava temerosa, mas, ao mesmo tempo confiante no futuro.   
 
Malas prontas.  Aproximava-se a hora da despedida. Tudo muito doloroso para as meninas, mas já era coisa decidida... Seria, então, um longo caminho até o destino: Recife. A tarde caía preguiçosa, quando o irmão Carlos mandou buscá-las. Pernoitariam na Burarema, uma fazenda quase no Centro de Atalaia, onde Carlos morava com a família; e, na manhã seguinte, partiriam até Satuba – a cidade com a parada de trem mais próxima. 
 
Numa madrugada fria e silenciosa do mês de março de 1941, Dita e Nina dormiram na Burarema. Estavam ansiosas e praticamente não pregaram os olhos... Quando os primeiros raios de sol surgiram, elas partiram de automóvel com Carlos e o seu amigo Martírio para a cidade de Satuba. O Sr. Martírio acompanharia as meninas durante toda a viagem, pois, além de muito distinto e respeitador, era amigo da família.

Na parada de trem algumas pessoas já se aglomeravam. O coração de Nina bateu forte ao ouvir o apito e ver a fumaça do trem. As meninas seguraram as lágrimas na despedida calorosa do irmão Carlos. Elas se acomodaram no trem e meia hora depois partiram com o Sr. Martírio rumo ao Recife. Seria um longo dia de viagem com novos sonhos e planos. 
 
As informações sobre Recife eram as melhores possíveis: cidade evoluída, agitada e bonita! Além disso, pensava a caçula Nina: “poderia estudar num colégio com todos os recursos necessários para atingir seu objetivo: cursar a faculdade de odontologia”. O sol escondia-se atrás das montanhas, preconizando o fim de tarde calmo e agradável. O trem passava por uma área habitada e o apito constante interrompeu os pensamentos da sonhadora Nina. Ela despertou para a realidade e passou a observar a paisagem junto com Dita, sempre atenta aos sinais do trem; Não tirava os olhos da janela, pois não queria perder nada! Os olhinhos brilhavam a cada paisagem surgida... Alguém disse que estavam nos arredores de Recife, mas a imagem daquele lugar era desolador. As meninas começaram a ficar confusas, pois a cidade descrita não correspondia ao que viam: inúmeros mocambos! Eram casebres revestidos de papelão, barro, madeira ou qualquer outro tipo de material velho. Moradias feitas de ‘arranjo’ num alagado: água parada com aparência de lama; era um gigante lamaçal. Essa visão Nina e Dita constataram, algum tempo depois, na estrada para Olinda, cujo número de mocambos era muito maior. 
 
O trem continuou o seu trajeto. Algum tempo depois, a má impressão da cidade ia sumindo. Dita não perdia um lance da janela e mostrou para Nina a nova paisagem que surgia naquele início de noite. Os belos sobrados, nunca vistos pelas atalaenses, confundiam-se com a linda noite que surgia. O Centro da cidade de Recife despontava e o trem apitava sem parar. Era o aviso que estava próximo a Estação Ferroviária no ponto da Boa Vista, pertinho da rua da Concórdia. 
 
Que cidade iluminada! As garotas estavam encantadas com a nova paisagem e não desgrudavam os olhinhos das janelas... Todos desceram do trem, mas elas permaneceram mais um pouco ao lado do Sr. Martírio, que sorria diante da empolgação de Nina e Dita. As luzes incandesciam os olhos desacostumados com a noite tão clara. Os reflexos, as nuances e sombras refletidas no rio Capibaribe era um espetáculo à parte, proporcionando uma visão deslumbrante, principalmente para duas meninas do interior alagoano. Ali, sim, era a cidade dos sonhos realizáveis, refletia Nina. Os três, sem pressa, caminhavam em direção a parada dos carros de praça, denominação aos táxis da época. Um motorista aproximou-se e, com um simples gesto, indicou um dos carros parados. Abriu a porta, as meninas entraram. O Sr. Martírio sentou-se, por último, e com voz pausada, disse: “Rua do Hospício, 697 – Boa Vista”. 
 
O carro de praça partiu em direção ao destino indicado pelo Sr. Martírio. Nina e Dita  apreciavam, deslumbradas, a beleza da cidade. Era uma noite quente e iluminada do mês de março de 1941. Acontecimento marcante na vida de duas adolescentes com as malas cheias de sonhos e saudades. O mundo delas girava em torno da esperança em uma nova caminhada.
 
 
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