O Universo nunca nos abandona

Universo nunca nos abandona

Há dois anos me separei do meu marido, ele me deixou por outra mulher, mas precisamente a chefe dele. Felizmente não tivemos filhos, o que poderia ter tornado o divórcio bem mais complicado do quê foi. Resumindo, o resultado de tudo isso foi que perdi a casa onde morava, pois era dele, e tive que morar de favor na casa do meu irmão, já que o meu salário de recepcionista era muito pouco para cobrir as despesas de uma casa.

Morar de favor na casa de parentes, significava reduzir a vida as necessidades dos outros e não ter o direito de dizer não, pois sempre havia o fato de quê estava precisando e que as pessoas em questão estavam lhe ajudando porque eram bastante generosas.

Então, a cada dia que passava fui me convencendo de quê a minha existência no planeta terra era para servir de tapete para os outros limparem os sapatos. A única coisa que preenchia o vazio da minha vida era: todas as manhãs ver o senhor Rafael Medeiros passar pela recepção, onde eu trabalhava, indo para sua sala no gabinete da presidência, já que desde o falecimento do pai passou a administrar a empresa.

Como dizia minha amiga Júlia, aquele homem não era um colírio para os olhos, era o frasco inteiro. Ficava impossível uma mulher em sã consciência não reparar nele e até mesmo sonhar com ele.

Rafael era alto, forte, cabelos pretos, olhos de um azul inebriante e quando sorria para nos cumprimentar, formava pequenas covas nos cantos da boca, que o deixava ainda mais irresistível. E o melhor de tudo isso, ainda era solteiro.

Pelo que falavam as fofoqueiras de plantão do escritório, candidatas não faltavam ao posto de senhora Rafael Medeiros. Mas apesar das várias opções de escolha, todos diziam que ele vivia em busca da sua Cinderela, assim como o príncipe do conto de fadas.

Um dia, como de costume, Rafael passou pela recepção e nos cumprimentou com sua habitual gentileza, o que me deixou pensando que talvez se tivesse a chance de estar sozinha com ele, pudesse lhe mostrar o quanto mexia comigo e que a sua simples presença já fazia o meu mundo parecer melhor. Mas isso seria sempre um sonho, pois era praticamente impossível ter com ele um dialogo que passasse de um “bom dia”.

Foi então que estava saindo do refeitório para pegar o elevador e voltar para a recepção, quando para minha surpresa a porta se abriu e dei de cara com o Rafael.

A minha surpresa foi tamanha que mal balbuciei boa tarde, estávamos no 25°andar, eu saltaria no 1°(onde era a recepção), e ele pelo visto estava indo para a garagem.

- Voltando para a recepção?

Não podia acreditar que ele estava falando comigo. A minha auto-estima andava tão em baixa ultimamente, que achava impossível um homem como aquele notar a minha existência, com certeza estaria falando por simpatia.

- S...im.

Com muito custo consegui balbuciar um sim, concluindo que sem dúvida eu era a pessoa mais imbecil do mundo.

Foi quando no 20° andar o elevador parou.

- Opa! O que foi isso? - perguntou ele.

- Creio que o elevador parou - disse, enquanto apertava o alarme.

- Pediu ajuda?

- Sim.

Passaram-se quinze minutos e nem sinal dos técnicos.

- Já deveriam estar aqui - disse Rafael, enquanto tirava o paletó.

- Desde que o seu José foi mandado embora, a manutenção caiu um pouco de qualidade.

- Seu José? - fez uma cara de quem tentava lembrar - um senhor com os cabelos brancos e um sorriso bem simpático?

- Esse mesmo, foi demitido porque o seu Lucas da segurança disse que ele já estava velho demais para o serviço. Resultado, os elevadores têm parado com freqüência e algumas câmeras, como esta aqui, quebraram há dois dias e ainda não foram consertadas.

- Sabe tudo isso, apenas trabalhando na recepção?

- É que conheço todo mundo no prédio.

- Então, com o seu conhecimento acredita que vamos demorar quanto tempo aqui?

- Acredito que um bom tempo, porque até descobrirem que um elevador parou e depois descobrirem qual dos seis, vão ser algumas horas.

- Que maravilha! Vou ter uma boa conversa com o chefe da segurança.

- Mas pode ser que não demore tanto, a minha colega da recepção só está me esperando para ir embora, vendo que estou demorando, tentará ver o que aconteceu.

- Tomara, pois tenho um compromisso de negócios, e não posso me atrasar.

Passados uns 10 minutos pedi licença e sentei no chão estava tão cansada da noite perdida com meu sobrinho, já que minha cunhada me encubiu de cuidar do bebê. Como se no outro dia não tivesse que levantar cedo para trabalhar.

Desde que fui para casa do meu irmão tem sido assim, minha cunhada acredita que por estar precisando morar lá, tenho que fazer de tudo sem dizer não. A única vez que ameacei recusar, ela ameaçou me mandar embora.

- Sabe de uma coisa, vou sentar também. Você trabalha aqui há muito tempo?

- 5 anos.

- Como se chama?

- Laura.

- Belo nome, tão bonito quanto à dona. Sorriu de uma maneira que fez meu coração quase sair pela boca.

Depois de alguns segundos em que os olhos dele não saíram nem um instante dos meus, ele voltou a falar.

- Seu namorado deve ter muito ciúme de você.

- Não tenho namorado, estou sozinha no momento.

Nesse instante nossas bocas estavam tão próximas que era praticamente impossível não acontecer o beijo que há muito desejava. Quando finalmente nossas bocas se encontraram, pude perceber que o paraíso existe.

Mas algo que com certeza só ocorreria comigo, aconteceu. Comecei a ouvir alguém me chamando, cada vez com mais intensidade até que finalmente acordei, e pude perceber que tudo não havia passado de um sonho.

- Laura, a Mônica já interfonou várias vezes da recepção, perguntando se você não vai descer.

- Já vou descer dona Antônia, é que acabei cochilando.

- Normal, a maioria também acaba cochilando aqui na cantina, quando vem tirar o descanso.

Soltei um suspiro de desalento, pensando que tudo jamais passaria de um sonho. Estava em uma maré de azar bem grande para ter esperança de quê algo assim acontecesse de verdade na minha vida.

Todas as minhas amigas comparavam Rafael ao príncipe encantado da história da Cinderela, então se fosse fazer um parâmetro comigo e tentar medir as possibilidades de um dia podermos ser mais do quê patrão e empregada, poderia dizer que eu tinha tudo da gata borralheira, apenas o que me faltava era a fada madrinha.

- O que foi? Estava sonhando com o príncipe encantado?

- Estava, pode crer que estava.

- Pode ter certeza de uma coisa quando menos esperamos, ele aparece.

- Por quê? A senhora já encontrou o seu príncipe?

- Claro. Tem trinta anos que vivo ao lado dele.

- É bom ouvir isso, faz com que continue a ter esperança.

Dei um beijo em dona Antonia e sai da cantina para pegar o elevador, tinha que deixar os sonhos para outra hora e pensar na minha realidade, ela sim, garantia o meu sustento, não queria nem imaginar a minha vida se perdesse aquele emprego. Mas quando a porta se abriu, para minha surpresa, Rafael estava lá dentro sozinho, naquele momento não pude deixar de pensar no meu sonho, e fiquei estática na porta, indecisa se entrava ou não, até que ele perguntou:

- Não vai entrar?

- Claro.

- Voltando para a recepção?

Ele fez à mesma pergunta do sonho, e novamente só consegui balbuciar um “Sim”, imaginando se o destino estava se propondo a ser a minha fada madrinha.

Até que no 20° andar o elevador parou. E desta vez não era sonho.

CARINA RAMALHO
Enviado por CARINA RAMALHO em 08/09/2008
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