Paineira Benta

“Com dois te pois, com três te tiro, com as três pessoas da Santíssima Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo, Amém!”

Tá carregado, hoje, seu João, disse em voz baixa a preta Inês. “Vai precisar de banho. Tem água fervendo, vou prepará dois banho, dos forte”.

Preta Inês caminhava para seu fogão do lado de fora do casebre e João, como sempre, divagava sobre a origem do quebranto. Um banho certamente poderia lavar uma alma imunda, mas quantos banhos seriam necessários para lavar a sua alma? E será que se poderia, depois, enxugar uma alma molhada? Pelo menos, os olhos de Josefina não se enxugavam nunca, pensava.

Acordava chorando, mas disfarçava, limpando remelas. Dizia que tinha pesadelos, dizia que o marido roncava, dizia tanta coisa, mas sempre negava o choro.

Chegava a soluçar.

Quando Josefina, de repente começou a chorar todas as manhãs, e isto já fazia pelo menos uns três anos, João não deu importância. De fato, João nunca deu nenhuma importância para Josefina. Afinal, a mulheres são apenas mulheres, nada mais que isto. Não conhecem o cansaço de um dia de lida, nem as preocupações do dia a dia. Sequer sabem o preço de um palmo de fumo de rolo. Que dirá saberem das coisas que regem a vida.

Mulheres foram feitas para o ócio da casa e dos filhos, pensava ele. Mas Josefina não lhe dera filhos, e não possuía forças para cuidar do casarão da Fazenda da Inveja.

Inveja, só pode ser inveja o que me traz tanto mau olhado, pensava. Por isso é preciso, de vez em quando, ir à Preta Inês receber umas rezas. Todas as pessoas parecem desejar tudo o que João conquistou à base de muito trabalho. Sempre via alguém olhando assim ao longe a sua plantação de milho. Com certeza querem ter este milho, que por sinal, é o mais vistoso. Todo ano é assim. Sempre aparece alguém para dar mau agouro às suas coisas.

Suas coisas estão aqui, dizia Josefina pelas manhãs, se referindo às roupas de João. Estendia-as aos pés da cama, colocava as botinas no exato local em que o marido colocaria os pés ao descer da cama. Sempre com o pé direito, era sagrado.

“Toma cuidado, não deixa cair nenhuma gota que este banho é sagrado”, disse Preta Inês à João entregando-lhe duas canecas ainda quentes. “A da direita ocê joga na cabeça e a da esquerda é do ombro para baixo. Vai lá no pé da paineira e faz o banho, vou rezá pro seu anjo daqui.”

Caminhou até paineira que ficava há alguns metros do casebre da Preta Inês. Era velha, porém viçosa, e naquela estação estava exalando plumas ao vento. João conhecia bem o caminho, pois fazia seus banhos ali desde que era criança.

Preta Inês foi escrava da família e se dizia filha de feiticeiro do Congo. Antônio Antunes, pai de João era homem de fé. Acreditava no padre, desde que este oferecesse alguma garantia ao pós-morte. Tinha um enorme medo de morrer. Acreditava nos negros da senzala, desde que estes garantissem afastar os maus espíritos.

Acreditou no dia que a Preta Inês, em um estranho virar de olhos e voz carregada lhe disse que seu filho João corria perigo, pois uma cascavel o espreitava em seu quarto. Antônio correu até o quarto do filho, armado com uma foice, e deparou com a cascavel, pronta para dar o bote.

Desde este dia, Preta Inês foi bem tratada, fazia somente trabalhos leves e quando a alforria geral tomou conta e os negros foram embora, um casebre estava garantido para ela, que desde então passou os dias a benzer as pessoas.

Talvez uma reza pudesse conter o choro de Josefina, pensava João enquanto caminhava até a paineira para fazer seu banho. Talvez rezar por seu espírito, ou por sua alma. O que era mesmo necessário era conter o maldito choro que tanto o irritava. Porém, era necessário antes saber quem tanto cobiçava suas coisas para lhe gerar tanto olho gordo.

Semana passada morreu seu sabiá. O pobre sempre cantava pelas manhãs, era quase como um despertador para João. Cantava antes de qualquer galo e sua gaiola ficava na janela, próxima à cama, do lado de Josefina. Engraçado, pensou, mas neste dia Josefina quase não chorou.

Quase não chorou, também, no dia do enterro do Senhor Florindo, seu pai. Josefina apenas olhava fixamente o caixão, sem expressar nenhuma consideração ou raiva, nada. Apenas olhava. Apenas se deixava levar, quem sabe, pelas lembranças de um carrasco que sempre a tratou com mãos de ferro.

Por várias vezes a mocinha precisou ficar presa vários dias em seu quarto pelo simples fato de que nestes dias, a casa era visitada por algum homem. Josefina não podia ver homens.

Florindo acreditava que a castidade da mulher estava condicionada ao fato da não existência da tentação. Assim, Josefina, que estava prometida a Jesus, não deveria ter contato com homens, de maneira nenhuma, nem mesmo com seu pai.

E assim ela passava os dias a lamentar-se pela vida que não possuía. Não conhecia de fato o calor do sol ou o sabor da água do rio em sua pele. Jamais caminhara sequer nos corredores externos. Sua única distração era exatamente o seu tormento: um sabiá deixado em seu quarto a mando de seu pai.

O pássaro grunhia o tempo todo, a qualquer hora do dia ou da noite. Como o quarto de Josefina era uma clausura, constantemente fechado, os dias pareciam sempre serem noites. Escuros como os pensamentos deswconexos da moçoila que se confundiam entre o cantorolar desafinado do sabiá e as telhas enfiliareadas no teto, que eram contadas todas as noites, qual uma dízima infinta.

Na noite em que era comemorado o dia de São Sebastião, Florindo ofertou um de seus bois ao Santo e fez quermesse na fazenda. Chamou Padre, trancou os negros na senzala, chamou vizinhos, certificou-se que o quarto de Josefina estava trancado.

Ao abrir as portas do salão principal, Florindo, que era viúvo, deparou-se com Ernestina, beata devota da igreja de São Julião, acompanhada do Padre Antônio, que por sua vez, trouxe consigo Juvento, noviço por ele encaminhado aos desígnos de Deus.

Ernestina comentou com Juvento que Florindo tinha uma filha que iria se casar com Jesus. Que brevemente iria para o Convento das Carmelitas Descalças. Juvento pediu para conhecer a moça tão prendada e dedicada a Deus, o que foi prontamente recusado por Florindo. “Minha filha não tem contato com homens.” Exceto com Padre Antônio, que é mais santo do que homem. Ele é quem dá o catecismo para Josefina”, disse em tom arrogante.

A comemoração se deu na normalidade comum das festas daquela época. Exceto pela enorme curiosidade de Juvento em conhecer a moça Josefina. Sem ao menos conhecê-la, cultivou enorme admiração pela moça. Como sendo ele obrigado ao sacerdócio por sua família, acreditava na santidade das pessoas que se dedicavam a Deus por desejo próprio, como Josefina. Por isso sua admiração era tão natural.

Ousou perguntar a padre Antônio se poderia conhecer a moça. “Talvez algum dia no catecismo dela eu o deixe vê-la”, disse o Padre, mas não hoje. Hoje o murmurinho da quermesse já será grande distração para seus aprendizados, não queremos mais um. Concluiu.

Caminhou até o quarto de Josefina, logo após seus banhos de descarrego, e mais uma vez a encontrou chorando. João já nem mais perguntava o que se passava com Josefina, pois não lhe interessava. Esta, porém, sempre questionava seu paradeiro. Venho da paineira, respondeu.

A velha paineira já foi tronco de espancar negros. Por ser frondosa, dava para colocar três negros amarrados, de braços abertos, ou até cinco negrinhos em seu entorno. Assim, era só circular a paineira castigando vários negros sem se cansar, dizia José da Lua, capataz de Antônio Antunes.

Mas nem sempre havia negros com culpa o suficiente para se castigar. A maioria era do Congo, e eram bem obedientes. Quando José da Lua, capitão do mato só encontrava dois negros fujões e os leva para a paineira, algum terceiro inocente precisava ser castigado também, para não se perder o costume.

Foi assim que o velho Zabu, ou Noé foi escolhido como o terceiro negro no castigo daquele dia chuvoso de março. Zabu era curandeiro do Congo, enxergava na noite feito gato, e sabia tudo da negrada e de toda gente. Ele enxergava a alma e o futuro das pessoas.

Foi assim que ele chegou para Inês, sua filha e lhe deu um último ensinamento: assobia assim, minha filha. Inês aprendeu o assobio e perguntou porque ele o ensinara.

Esta noite vou ter com meus antigos. Vou voltar para o Congo, mas a carcaça vai ficar aqui. Quero que enterre lá perto da paineira, pois depois que me for, vou vigiar lá para nego nenhum sê mau tratado lá. Usa este assobio que eu te ensinei para chamar cascavel. Olha bem nos olho dela, e segura a bicha pela cabeça, mas num deixa ela te morder. A sua hora ainda não chegou. Leva e cobra para o quarto do menino João e faz ela dormir com este outro assobio. Depois, ocê conta para o patrão que viu que tem uma cobra lá. Assim, ele que acredita em tudo, vai lhe dar respeito. A primeira coisa que ocê vai pedi, é que enterre minha carcaça na paineira. Ele vai sabe que eu parti através da sua língua. Mas num se zangue não, que eu também num vô saí do seu lado.

Inês adentrou a capoeira a procura da cobra. José da Lua laçou Zabu dizendo que ele o iria ajudar num castigo de dois negros fujões.

Na manha seguinte, a negrinha Inês deu o recado ao Antônio Antunes, que acreditava em tudo e acreditou nela também.

Depois de matar a cobra, foi até a paineira e viu José da Lua desamarrando o último dos três corpos na paineira. Ele atendeu ao pedido de Inês e enterrou Noé perto da paineira, e disse ao seu Capitão do Mato que procurasse outro lugar para castigar negros. Foi por causa deste ocorrido que assentaram um pelourinho no meio do pátio da fazenda, e a partir daí, era este o lugar dos castigos.

Josefina dizia não conhecer a paineira que possuía um galho baixo que seria usado para fazer gangorra para seus rebentos. Mas ela nunca teve filhos. Nunca com João.

E foi João quem escreveu o Apocalipse, finalizou Padre Antônio. Josefina ainda estava meio escandalizada, pois não compreendia muito bem a noção de pecado e achava atos como o de repudiar o pássaro, que nem durante o seu catecismo parou de piar, eram tidos como pecados mortais. Também não compreendia porque não podia ver homens, mas podia ver o Padre. O que diferencia um padre de homem, pensava?

Neste momento, alguém bate à porta do quarto. O som das batidas ecoava entre as infitas telhas no teto. Era Juvento, pupilo de Padre Antônio. Neste instante, Josefina sentiu-se tonta ao ver jovem de sua idade, belos olhos claros, voz macia que convidava o Padre para o leilão das prendas. Nunca havia visto ninguém assim.

Sentiu um frio estranho em sua barriga e não pode conter sua bexiga, molhando o vestido e o chão.

Padre Antônio percebeu e disse que seria necessário dar alguns outros ensinamentos à menina.

Porque será que sua esposa não chorou quando o sabiá morreu? Se questionava João. Era sabido que ela não gostava do pássaro, mas jamais se queixara ao marido. Como não se queixou de suas núpcias nem da avareza que dominava a fazenda da Inveja, nunca se queixou de nada. Mas naquele dia chrou bem menos que o de costume.

A porta se fechou, e um silêncio tomou conta do quarto de Josefina. Nem mesmo o pássaro se pronunciou. A mocinha tremia ao ponto de seus dentes machucarem sua língua.

Tudo era novo, estranho, diferente e doloroso. Ela espremeu um pouco mais o pássaro na mão e em seguida o soltou em sua cama. O sangue manchou o lençol, até então, tão alvo quanto deveria ser a alma de uma Carmelita Descalça.

Josefina não se entendeu. Não soube o que aconteceu, mas sabia muito bem com quem aconteceu. Fechou a porta e pôs-se a rezar. Rezou pelo pássaro que acabava de matar.

Matar! Matar! Vou matar o desgraçado do coroinha que fez isto com você, dizia Florindo vendo a barriga da filha crescer mais e mais a cada dia. Mas Josefina não expressava nenhuma reação. Apenas ouvia os gritos do pai que dia após dia se repetiram até uma manhã em que este a segurou nos braços, a apertou e questionou insistentemente: por que você matou nossa família, por quê?

E apertou, e questionou, e Josefina sangrou. E sangrou pelos dois dias que se passaram.

Florindo chamou Padre Antônio, que não veio. Chamou uma parteira que chegou atrasada.

Quando Inês viu que a criança estava presa, disse que não havia mais tempo. Já havia morrido e que precisariam puxar. Um pedaço da alma de Josefina saiu junto.

Padre Antônio soube que sua aluna ficou enferma e ao visitá-la, foi por ela questionada: por que o Senhor deixou o menino morrer se ele nada fez? Por que não disse que o senhor me ensinou a ser mulher?

Padre Antônio concluiu que Josefina delirava. Que precisava ir embora, que precisava ir fazer a missa de primeiro mês da morte de Juvento, que morreu por engano numa tocaia armada para José da Lua.

Inês jurou silêncio, Florindo jurou morrer sem remorso, Josefina nada jurou, e o rebento não teve tempo de jura alguma.

Juro por tudo que é santo, que o livro do martírio da gaiola. E que Deus nos perdoe, disse Josefina ao acabar de espremer o sabiá de João e devolvê-lo morto à gaiola. Neste dia não foi preciso chorar, nem rir. Apenas pensar que o espírito do pássaro já se encontrava livre de uma gaiola que ela mesma não sairia jamais.

Você não sairá desta casa nunca, dizia Florindo. É preciso encontrar alguém para desposá-la. Vou conversar com os Antunes, eles acreditam em tudo. Talvez acreditem que você é virgem ainda.

João acreditou em seu pai quando este disse que todo mundo cobiça os bens de sua família. Acreditou que precisava casar. Acreditou que o milho de sua fazenda era sempre mais vistoso que o das outras fazendas. Acreditou que Inês era mais poderosa que os santos da igreja. Acreditou em tudo, como seu pai sempre fez.

Josefina, sem nada dizer, entendeu que o marido lhe proporcionava pouco. Embora seu tudo viesse de uma única noite no dia de São Sebastião, acreditava que era mais do que o que João lhe dava noite sim, noite não.

E todo dia repetia seu choro matinal, desde o dia em que chegou a notícia de que o Padre Antônio havia morrido. O sacerdote devia já ter cerca de setenta anos de idade quando morreu. Josefina, que sempre assistia suas missas sem jamais se confessar, chorou no dia de seu velório e nunca mais parou de chorar.

Ela apenas olhava o caixão com o pai sem expressar nenhuma reação. Apenas se lembrava de que o catecismo a qual ela fora privada, era a coisa mais importante que ela possuía. Sim, ela era quem possuía o Padre Antônio. Ele era somente dela. E a semente que ele plantou, foi arrancada por seu pai em um abraço de Judas.

Foi-se a semente, o rebento e também o canteiro, pois desde este dia Josefina era seca.

Chorar por Padre Antônio era a maneira que ela encontrou para lavar sua alma, porém, quantas lágrimas são necessárias para lavar uma alma imunda?

Sim, sua alma era imunda porque João nunca comungou. Era imunda porque precisava sempre estar de olho no terreno do vizinho para comparar seu milho. Era um transtorno. Quase nunca dormia. Sempre acordava no meio da noite pensando em quantas pessoas poderiam estar desejando seu pasto, seu burro, seu boi, seu servo, sua casa. Então pensava se não seria melhor se todos morressem. Mas logo concluía que se todos morressem, quem teria inveja dele?

Tenho inveja de você disse Josefina sob a sombra da paineira a Padre Antônio num dia em que o esposo viajava tentando vender seu milho, ou pelo menos encotrasse quem lhe invejasse milho tão bonito.

Tenho inveja de seus segredos, de suas andanças, de suas confissões, repetia. Padre Antônio, no entanto dizia que ela era a tentação que o conduziria ao inferno. Depois disse que naquele exato local, Juvento foi morto a mando de Florindo.

O Padre não teve mais pupilos, nem tomou catecismo de ninguém, nem impediu que matassem Juvento, uma vez que os capatazes procuravam por José da Lua. Diziam que precisavam matar alguém que roubou a inocência de uma crioula feiticiera.

Juvento roubou a inocência de Josefina, pois despertou nela os mais puros sentimentos. Mas foi Padre Antônio quem roubou seu corpo, seus sonhos. Tirou tudo pelas costas, e depois apontou as costas de Juvento dizendo: eis o José da Lua.

José da Lua fugiu correndo com o rosto rasgado pelas unhas de Inês. Ele a tomou a força. Forçou o quanto pode até que não precisou mais forçar. Inês não teve forças, mas orou a Zabu.

Antônio Antunes viu ao longe o que José da Lua fazia com sua feiticeira de estimação e ordenou que o capitão do mato fosse morto. Acreditava que as negras candongueiras, enquanto virgens, tinham a visão clareada.

Como que a utilizar-se de um último suspiro, Inês arranhou o rosto de José da Lua que ao perceber a chegada de uns negros fugiu sem rumo.

Neste dia, Antônio Antunes percorreu todas as fazendas da vizinhança. Ao chegar na fazenda de Florindo, este lhe disse que José da Lua não estava escondido lá. Também disse que teria coragem até de mandar chibatar alguém, mas nunca de matar. Que na verdade, quando o assunto era morte, este era meio medroso.

De tanto medo de perder suas posses, João mudou o nome de Fazenda do Paço para Fazenda da Inveja. Acreditava que desta maneira ninguém teria coragem de copiar este nome. Era sempre necessário estar protegendo seus bens, dizia.

Proteja minha alma, dizia Josefina a Padre Antônio. Proteja minha vida, que só existe pela sua. Padre Antônio apenas fechava os olhos para ver o diabo que se vestia de Josefina. Sequer a questionava sobre seu marido, ou questionava a si mesmo sobre seus dogmas. Ele apenas protegia o corpo de Josefina sobre um chão de paina.

Preciso reformar meu travesseiro, pensava João olhando a gaiola vazia. Preciso de outro sabiá, pensava em voz alta. Preciso de mais banhos de descarrego, falava para a esposa.

Josefina apenas chorava.

“João eu te benzo de quebranto, mau olhado, água de rosa que leve este mal”. “Hoje ocê num tá carregado”, disse Inês. “Meu banho foi bão”. Mas João sabia que a inveja não mais lhe rondava pelo fato de que ele reformou seu travesseiro com paina da paineira que ele acreditava ser benta. Seu travesseiro virou seu patuá noturno. Inclusive lhe havia trazido bons sonhos. Certa vez, sonhou que nenhum de seus vizinhos tinha filhos, e ele desfilava com seus oito filhos pela procissão da quaresma.

Após cerca de quarenta minutos caminhando, Josefina parou e imaginou o filho de Padre Antônio a balançar no galho baixo da paineira. E galho era mesmo baixo, dava para alcançar com a mão sem nenhum esforço. E era um galho forte.

“Reza forte! Ocê vai precisar”, disse Inês. Mas João não entendeu. Inês acabara de dizer que ele não mais estava carregado. “Reza forte das que eu não posso te dar. Vai procurar outro que possa”.

João saiu sem entender e em seu desespero, foi buscar pensamentos na paineira, que acolhia o corpo de Josefina que balançava suavemente. Seu pescoço, já inchado, estava roxo e contrastava com a faixa azul claro que sempre mantinha à cintura. Ele pensou que ninguém na vizinhança tinha um suicídio na família, apenas ele. Os outros poderiam ter inveja, mas apenas ele era o viúvo de uma condenada.

Olhou o corpo que obedecia a vontade do vento e não mais deu importância. De fato, João nunca deu nenhuma importância para Josefina.

Amargo
Enviado por Amargo em 17/09/2008
Reeditado em 19/09/2008
Código do texto: T1182534
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.