Lilith em Escorpião

Em uma noite assim, e o dia me pareceu bonito, havia um céu de um azul quase insuportável, estou deveras grogue, achando que minhas imperfeições são fortíssimas. Penso em palrar com alguém, alguém da minha geração ou de outra,dessas mais jovens e decididas, mas me parece que quem quer que seja me rechaça. Estou engordando. Daqui da janela avisto um hotel e dezesseis janelinhas estao iluminadas. Dezesseis pessoas ou mais ainda estao acordadas, assistindo à tv, ou lendo um bom livro, ou então...Dá-me vontade de sair, de me embriagar, conhecer gente, mas aonde? Ficaria solitário em uma mesa, deprimido, percebendo a beleza e a intelectualidade alheia; captando olhares interessados mas somente por milésimos de segundos. Amanhã é domingo, e os domingos são iguais para a maioria. Ainda não me acostumei aos domingos, e essa solidão tem algo a ver com condenação.Pelo que pude perceber até agora, não sou um homem de sacrifícios, haja vista a falta de bens materiais. O que tenho? Nada. E como não tenho nada o que me resta é manter a saúde, coisa que não faço brilhantemente. Estou cheio, e como libriano, precisava de alguém para me dar alento, mas os alentos que têm me dado sao comuns, não me tocam nem um pouco; são alentos dados a pessoas nada especiais. Vi novamente meu horóscopo e para mim é difícil encontrar uma saída através dele. Não tenho saudades de ninguém, e dizem que quem tem muito fogo no mapa é assim, não tem saudades, é seco, não tem tato. Preciso de amor. Preciso de conforto, mas o que sempre me resta é recomeçar, e as ofertas de empregos, apesar de dizerem que a economia melhorou, pioraram.Vêm-me agora uma imagem de um cemitério. Por que não tenho saudades de nada, ainda me é um enígma; nem mesmo de colher morangos tenho saudades, nem mesmo dos primeiros encontros (ah, mas se eu pudesse eu sempre voltaria aos momentos dos primeiros encontros). Até há pouco adorava ir a baladas, mas isso enjoou, mormente depois de forem indo me pondo para fora, sem darem explicações. Sou rude, rude e mimado, algo meio paradoxal.Priscila se afastou também porque concluiu, após dois anos de convivência, que sou inculto. Agora estou calmo; tomei valium. Calmo e depressivo. Quando cheguei aqui, neste apartamento, muita gente se revoltou, e vivia me perguntando nos primeiros meses se eu ainda estava aqui. Já se passaram dois anos. E eu, culpadíssimo por não ter juntado dinheiro para o futuro, não quero me culpar tanto. No mapa não consigo ver nenhuma vocação. Quero tentar me perdoar, e sei que nesta cidade tem lugares legais que ainda desconheço, tem gente bacana que ainda não cruzei, eu tenho certeza. Vou dormir que é tarde. A solidão me mostra o quanto sou errado, pois ela é involuntária. Sonhei outro dia em ser ator, porque qualquer expressão minha é absolutamente desprezível, impercetível. Saudades, saudades...onde anda você que nunca mais quero ver nesta vida?, nem mesmo se houver uma reviravolta e me dizerem que meu estado na época era lastimável. Ainda não sei porque toda austeridade (quando as coisas são de grátis) me deixam lá embaixo. Lembrei-em agora de uma noite em que saí com um grupo do interior, e como sempre, vivia querendo arrumar namorados para os amigos (consciência?). O fato é que esse amigo, astrólogo, não se conformava de eu não admtir que se falasse em que signo estava a minha lilith. Ele, então, bradou para que o bar inteiro ouvisse:

“Dino tem Lilith em escorpião, Dino tem Lilith em escorpião!”

Foi o fim para mim.”