No país mais tolocrático do mundo...

Ambrósio era um legítimo super-herói: ganhava salário mínimo, sustentava sozinho 3 filhos e a mãe doente, pois o pai falecera de infarto e a companheira fugira com o vizinho.

O salário até que dava para pagar as contas - até o dia 10, depois era apelar para a família, para os amigos, para o patrão, para Deus. Mas Ambrósio era teimoso, teimava em viver mesmo que não fosse a vida que queria. Aceitava resignado donativos, roupas velhas, restos de feira e bolsa-família. Melhor ser humilhado que passar fome, não é? A aposentadoria da velha mal dava para os remédios. Os garotos, muito novos ainda, tentavam ajudar passando o máximo de tempo possível na rua, e assim economizavam luz, água, comida e até aluguel. De vez em quando um aparecia com dinheiro ou todo machucado, ou ambos, e Ambrósio, como qualquer bom pai faria, não perguntava nada.

Um dia, o patrão de Ambrósio o chamou para um particular. Seria o aumento que ele tanto sonhava? Não, era a crise no Azbtzganistão, era a atual conjuntura econômica, era o preço do dólar e do petróleo, era a porcaria dos impostos altos e era o seu aviso prévio. Ambrósio saiu do escritório anestesiado, sem rumo: quem agora seria o louco que o contrataria, tendo mais de 50 anos, segundo grau incompleto e já precisando de um aumento? Cansou de vagar pelas ruas, e acabou entrando em um açougue. Tinha somente alguns trocados no bolso, mas ia fazer um churrasco, talvez o último de sua vida.

Ao entrar, deparou-se com uma fila onde várias pessoas escolhiam a melhor carne da vitrine. Era uma vitrine alta e, apesar de fosca, podia-se ver o vulto do açougueiro atrás dela. Exibiam-se apenas 3 produtos: uma vasilha cheia de vísceras em vários tons de roxo, outra com cabeças de frango que lembravam Salvador Dalí e a última com uma ossada sabe-se-lá-de-quê com restos de carne grudados. Cada freguês, na fila, chegava à vitrine, escolhia a melhor carne digitando o código do produto e apertava um botãozinho verde. Então uma campainha meio irritante soava no ar e o próximo da fila era chamado pelo açougueiro para fazer a mesma coisa. Era um procedimento rápido e logo chegou a vez de Ambrósio.

Ele olhou, pensou, olhou de novo e perguntou:

- Eu queria outro tipo de carne, uma melhorzinha, o senhor não tem?

- Não, respondeu o açougueiro, as opções são estas. Escolha uma logo porque a fila não pode parar. A escolha da maioria será o produto vendido nos próximos 4 anos. Por isso, escolha consciente!

Ambrósio suspirou diante das opções que ele não queria, e viu em um canto do açougue uma pequena televisão onde desfilavam alguns rostos conhecidos, com nomes e números escritos logo abaixo e sorrisos falsos e promessas mais ainda e jingles e uma dor aguda bateu forte no peito. Ambrósio digitou o código e confirmou, não importava qual, e saiu de lado aguardando o resultado daquilo que iria ter que levar para casa.