UMA AULA DIFERENTE

Meus alunos, na última aula de sexta-feira não queriam saber de nada, já vinham da aula anterior num ritmo que para mim era difícil quebrar, onde a professora os deixava à vontade. Percebi que toda sexta era a mesma coisa, a aula não rendia de maneira alguma, pois eles, muito a contragosto abriam seus cadernos. Não se pode ensinar ninguém que não queira aprender, então resolvi ceder e ver o que eles fariam para passar o tempo, afinal o professor está sempre aprendendo com seus alunos. Fiquei surpresa ao perceber que eles já tinham uma cartolina com uma circunferência desenhada, com o alfabeto escrito em volta, os números de 0 a 9 enfileirados no centro e as palavras sim e não escritas nas laterais. Todos se juntaram no centro da sala em volta de uma aluna. Ela abria um compasso e apoiava levemente a ponta seca no centro da circunferência desenhada. Aproximei-me para tentar entender, será que eles estavam construindo figuras geométricas? Pediram para eu me sentar, fazer silencio e prestar atenção que entenderia logo do que se tratava. Qual não foi minha surpresa ao vê-la perguntar para o além:

– Há alguém aqui?

Nunca os vira tão compenetrados, nem nas provas de trigonometria. O silêncio dominava a sala. Ela perguntou novamente:

– Alguém quer se comunicar?

– O que vocês esperam? Que algum fantasma responda . Sim eu estou aqui? – Comentei.

Ouvi um psiu geral – silêncio! – Já estava me arrependendo de tê-los deixado dominar a situação, mas a curiosidade era mais forte.

Desacreditei. O compasso começou a girar freneticamente, pensei comigo mesma que a aluna estava forçando uma situação, só podia estar interpretando aquilo. O compasso foi diminuindo a velocidade e parou no lugar onde estava o SIM.

– Qual é seu nome? – perguntou ela.

O compasso se moveu para o D, depois O, R, A e parou.

– Quantos anos você tinha quando morreu – Novamente o compasso move-se para o 3 e o 5.

– DORA, por que motivo você morreu? – Perguntou calmamente a aluna.

Senti-me na obrigação de intervir – Melhor parar com essa brincadeira Aline, pensei que fosse mais produtiva a brincadeira que tanto os atrai nas sextas-feiras. Você fica ai girando esse compasso, fingindo

ser um espírito que responde às suas perguntas e acaba enganando seus colegas.

Aline meio que indignada disse: – Pois não é mentira professora, juro

por Deus que o compasso está se mexendo sozinho. Depois a senhora vem

no meu lugar e confere se o compasso mexe sozinho, ou não.

E ela continuou – DORA, qual foi o motivo de sua morte?

O compasso moveu-se novamente escrevendo a palavra SUIC. Mais

do que depressa alguém falou – Suicídio – e o compasso parou.

Estava impressionada com tudo aquilo. Perguntei se não tinham vergonha de fazer aquilo, que mesmo que fosse verdade, não se devia mexer com os mortos e aquela era uma brincadeira perigosa.

Discutiram um pouco, argumentaram e Aline retomou.

– Por que se suicidou DORA?

Nada, perguntou novamente e nada. Segundo Aline, DORA havia ido embora.

Foi então que sugeriram recomeçar com a professora no lugar de Aline, já que me perceberam tão descrente.

Fiquei um tanto receosa, mas resolvi tirar a prova. Aline me disse que deveria a penas apoiar de leve o polegar na ponta seca do compasso para que a força exterior agisse de forma natural.

Fiz o que me disseram e perguntei se havia alguém ali. Senti-me uma idiota, passou-me pela cabeça a idéia de estar participando de uma pegadinha, depois eles ririam muito da minha cara. Nada, o compasso

não mexia. Perguntei mais duas vezes. De repente tive a impressão de

que o compasso havia se movido, meu coração disparou. O compasso

também disparou. Aline dizia para deixar a mão bem leve e finalmente

o compasso parou um pouco além do SIM. Eu começava a suar frio, realmente algo moveu o compasso e não era a minha mão, uma força estranha o girava , pois eu estava somente apoiando de leve a ponta

no centro da circunferência.

Aline disse que somente eu deveria perguntar e então eu perguntei – qual é seu nome?

O compasso girava freneticamente e começou a soletrar algo, mas eu tremia visivelmente. Claro que não fui capaz de terminar, porque mal conseguia segurar o compasso, quanto mais apoiá-lo levemente.

Quando Aline finalmente resolveutrocar de lugar comigo, o sinal para o término da aula tocou. Todos arrumaram seu material e partiram como

se nada tivesse acontecido.

Eu fiquei por um longo tempo sozinha, pensando, com um misto de incredulidade e curiosidade. Não era possível que fosse um espírito,

mas também não fui eu quem girou o compasso. Não poderia ser nenhuma força física, já que o compasso estava inerte, a não ser que fosse realmente uma força sobrenatural. Talvez eu possa tê-lo empurrado inconscientemente, será que podia ser o chamado efeito ideomotor, onde os músculos se contraem involuntariamente? Mas e a junção das letras formando palavras com sentido? Com o efeito ideomotor, o observador age involuntariamente, age como o que vê ou como o que gostaria de ver e com certeza não funcionaria se eu estivesse com os olhos fechados.

Mas, fosse verdade ou não, auto-sugestão ou espíritos zombeteiros,

eu não ia pagar para ver, mesmo sendo uma pessoa cientificamente curiosa, não gostei do que senti e não iria repetir tal brincadeira.

Na aula seguinte, passei um sermão na classe, falei do efeito ideomotor, falei também que se fossem realmente espíritos que nos respondessem, não deveriam ser os bons espíritos, pois os bons, com certeza teriam coisas melhores e mais proveitosas para fazer, e o perigo seria se estivéssemos abrindo um portal, imagina quantos espíritos maldosos não iríamos atrair. Será que eles voltariam, ou ficariam nos assombrando por aqui?

De qualquer forma, acho que botei medo neles, pois eles não

tocaram mais no assunto e minhas aulas de sexta-feira voltaram finalmente ao normal.

"Vivendo e aprendendo"

Luazul
Enviado por Luazul em 24/09/2008
Reeditado em 01/10/2008
Código do texto: T1194745
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