POR DETRÁS DA ILUSÃO.




No quintal do vizinho havia muitas árvores frutíferas, as melhores peras e ameixas, da vermelha e da amarela, maçã, verde e vermelha azedinhas quando tenras e doces, como mel, quando maduras. No quintal do vizinho vivia um velho barbudo e capenga, apoiado no seu cajado, resguardava as frutas e o território. O quintal do vizinho tornou-se o objetivo da minha vida. Vivia no quintal do vizinho uma menina. Um pedacinho de sonho. Solitária. Sozinha percorria as alamedas, como uma margarida altaneira recém desabrochada para a vida. Andava desafiando o vento, encarando o sol, surda aos meus apelos juvenis. Indiferente colhia cravos e mosquitinhos. Agachada esquecia-se de cobrir as pernas e levantava o vestido em forma de concha para carregar as frutas colhidas. Calcinha branca avental quadriculado, cabelos loiros longos e um sorriso debochado.
Construí um castelo de sonhos e lixo reciclado pregado ao pinheiro, escondido pelos meus medos e pés de mamona para observar minha paixão. Ela passeava fingindo indiferença. Eu me arranhava todo, agarrado aos galhos mais altos fingindo camuflagem. Ela fingia não me ver, eu fingia não saber.
Certo dia o galho quebrou. Caí como jaca mole, de costas sobre um pé de milho. O mundo escureceu, faltou fôlego, desmaiei por instantes. Quando abri os olhos pensei estar no céu. A menina das bochechas rosadas, avental quadriculado, calcinha branca, me tinha ao colo, ares de preocupada e mãos afagando docemente meu rosto. Bendito acidente. Neste momento se deu o encontro da razão com o destino que nortearia toda a minha vida. Fusão de beleza e timidez, atitude e deslumbramento.
Hoje no meu quartinho da casa de repouso encontrei uma fotografia antiga, da minha casa antiga, do pinheiro antigo e dos pés de milho no quintal. De pernas cruzadas, encostado ao tronco a criança que fui. Nota-se claramente o olhar curioso em direção ao terreno vizinho. Certamente buscava a menina do avental quadriculado. Embora as mãos tremam sem cessar posso visualizar o passado e assim a memória me enseja recordar tudo que passou desde aquele dia em que me vi acarinhado pelas mãos que para todo o resto da minha vida segurou a minha nos bons, maravilhosos e nos maus e tenebrosos anos que se seguiram. Os momentos de esquecimento são tenebrosos embora suaves, pois deles não tenho consciência. Quando recobro o conhecimento me sinto frustrado por não ter compartilhado este tempo da minha vida. Nestes fragmentos de tempo que acho estar em sintonia com a realidade procuro desenvolver a minha estória. Rapidamente, antes que tudo se perca nas garras desta pandemia.



Obs: Aos amigos do pai informo que ele faleceu segunda feira. Publico da maneira que deixou este relato. Um braço agradecido a todos os leitores dele. Até sempre.