Tapapó branco

Chegou estufada de orgulho, com o tapapó novo. Ia participar do desfile de 7 de setembro. Encontrou os colegas mais falantes e agitados do que de costume. Juntou-se a eles, sempre cuidando para não sujar o tão desejado tapapó branco.

Dona Palmira chegou e o silêncio se fez. Era uma mulher alta, cheia de corpo, óculos de aros pretos, cabelo preso em um coque, roupa cinza e voz firme. Ela era a professora, a diretora, catequista, conselheira e juíza de toda a criançada da escola, por isso todos a respeitavam muito. Um respeito pincelado com temor.

A ordem foi dada e todos começaram a formar as filas.

- Maiores na frente, menores atrás. – a voz de Dona Palmira parecia um trovão.

Filas formadas e um par de olhos negros e atentos começou a inspeção, tudo passava pelo crivo daquela senhora: roupa, cabelo, calçados. De repente, uma parada mais demorada e uma sentença:

- Tu não podes desfilar, teu tapapó não é branco como o dos outros, pode sair da fila.

De início, o baque. Depois, a carreira desabalada para trás da escola e o choro convulsivo. Quando as lágrimas permitiram, dois quilômetros de tristeza de volta para casa.

- Que foi, menina?

- Mãe, a professora não me deixou desfilar.

- Por quê?

- Porque ela disse que o meu tapapó não é branco como os dos outros.

- Pois tu não voltas mais lá! Não vais mais estudar.

...

- E eu nunca mais estudei. Agora, estou aqui.

O silêncio se fez de tal forma na sala de aula que era possível ouvir as respirações contidas.

E ali estava ela – pequenina, tímida, envergonhada, alguns cabelinhos brancos – com seus cadernos novos, lápis, caneta, borracha e muita curiosidade. Aquela pequena estatura tinha dentro de si uma força gigantesca. Essa força vencera o abandono, a adoção, as dificuldades, o tapapó feito de saco de farinha quarado até branquear, os olhos inquisidores de Dona Palmira, um marido pouco afetuoso, uma prole desatenciosa, as doenças.

Aquele 1,50 m se agigantou diante de todos nós, tomou a sala, nossos ouvidos, nossos olhos, nosso ser. Dona Eva estava, finalmente, realizando seu sonho: estudar. Ficamos meio pasmados por alguns instantes, engasgados, silenciosos. Então, as palmas soaram e um largo sorriso se abriu naquele rosto miúdo com 58 anos de idade.