Sara

Lentamente, vejo a chuva descer do céu. Os pingos velozes logo batem com ímpeto contra a terra negra do jardim. Sinto frio nos ossos ao observar esta cena. Suspiro, a cidade amanheceu chorando. E, toda essa tristeza, de certa forma me faz feliz.

Nesta manhã acordei cedo. Cinco horas, o céu estava enfeitado de nuvens arroxeadas, prenúncio de chuva, prenúncio do meu tédio.

Na verdade quero esquecer de tudo, esquecer de mim, esquecer do amor e principalmente, esquecer de Sara. Agora, ela está dormindo, de olhos bem fechados, seu corpo franzino de pele branca se esconde entre os lençóis frios. O sono que lhe possui não é angelical nem demoníaco. É apenas despreocupado com a vida e suas dores. Penso que o mundo poderia está em chamas ou até mesmo meteoros gigantes estariam destruindo com fervor o planeta, mas nada, absolutamente nada a faria despertar de seu tão profundo e majestoso sono.

Acho que estou embriagado pela presença de Sara. E como gostaria de me tornar sóbrio ao seu lado mesmo sabendo que isto é impossível, bastante impossível.

Em minha impaciência procuro um cigarro, abro gavetas, apalpo bolsos, no entanto, minha tentativa é frustrada e agonizante. Em seguida, vou ao banheiro, trovões ecoam lá fora, arrepio-me. Tempos depois, o espelho me reflete. Estou com semblante cansado. Tenho medo do meu olhar...

“Fernando”. É Sara quem me chama...

Imediatamente afundo meu rosto contra a pia que transborda um rio de água gelada. Acaricio meu rosto, a barba cerrada pinica a ponta dos meus dedos. “Fernando”.

Atendo Sara, encontro-a sentada na beira da cama trajando uma camisola de cetim amarela clara que lhe presenteei no dia do seu aniversário. Ela me olha, sorrir com os olhos, abre seus finos braços para me receber. Sento-me ao seu lado, deposito minha cabeça sobre seu ombro esquerdo, pondero a respeito da minha vida e começo a chorar.

Sara passeia as palmas de suas mãos em minha face. Quero deixá-la, talvez isso pudesse sarar minha dor. No entanto, necessito de afago, assim como todo marinheiro precisa do oceano para navegar seus sonhos. Meu coração lateja, o momento ao lado de Sara é efêmero, mas nossos desejos são intensos como as ondas do mar.

- É melhor você ir - diz Sara olhando fixamente para o relógio pendurado na parede.

- Estou indo, Sara... Sei a hora de chegar e de partir. Não sei qual é o pior momento, se é a chegada, penso logo no fim de tudo. Se penso na partida, bloqueio meu sentimento por você e crio um ódio sustentado pelo nosso próprio amor.

- Há várias formas de amar - Retruca Sara.

- Sim, eu sei. É por isso que te amo, mesmo não querendo te amar...

Agora são seis horas da manhã, de frente para o espelho abotôo os últimos botões de minha jaqueta preta.

Sara esquadrinha estática e misteriosa todos os meus movimentos. Tetricamente, caminho em sua direção, beijo sua fronte e digo “Eu te amo, brevemente seu marido estará aqui, tenho que me apressar...”

Nossas despedidas são sempre da mesma forma - em poucas palavras. Talvez, o silêncio de nossas bocas é incapaz de expressar o grito incessante que reside em nosso olhar.

O momento de ir embora chegou, abro a porta, o sol timidamente tenta romper a seda das nuvens rubras que decoram o céu.

“Bom dia”. Ando devagar, a cada segundo que percorro as calçadas da cidade surge em minha mente a imagem de Sara, rodeada com a lembrança do seu sorriso e da sua melancolia.

Mayanna Davila Velame
Enviado por Mayanna Davila Velame em 29/11/2008
Código do texto: T1309677
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.