NATAL DE LÁGRIMAS

Amanheceu bonito o último dia vinte e quatro de dezembro do Antigo Testamento, em Belém, na Judéia. A esposa de um pastor acabara de preparar o desjejum e já havia acomodado em marmitas o almoço que o marido levaria à dura jornada de trabalho no pastoreio das ovelhas. Assim como Maria de Nazaré, ela também estava grávida e às vésperas de dar à luz. Depois que o marido saiu, pôs-se ao serviço da casa. Enquanto realizava as tarefas domésticas, sonhava com a criança que haveria de nascer.

Pobre mãe! Não sabia que seu primogênito seria um menino. Triste destino naquele tempo da história. Quando sua hora chegou estava sozinha. Fez o parto apenas com a assistência de uma vizinha, mulher de outro pastor que trabalhava junto com seu marido e, coincidentemente, chegara a sua casa para visitá-la. O dia foi longo e frio. Maior que a dor do parto foi a dor da solidão. Embalava o filho ao colo, com esperança que esposo apontasse nas colinas distantes. Escureceu e nada do marido.

Os pastores não vieram naquele dia ao entardecer nem à noite, como era o costume. Tomaram outro rumo, seguindo uma estrela e os rumores de alegria pairados no ar, anunciando o Nascimento do Menino Jesus, que os povos tanto esperavam. Foram os primeiros a testemunhar seu Natal por encontrarem-se mais perto da manjedoura, em companhia de muitos outros, pastores e anjos, que lá chegaram. Alguns, também, eram pais de meninos primogênitos, que nasceram recentemente.

Dirigiram-se em grupo para cantar o “Glória In Excelcis Deo” em homenagem à chegada do Salvador. Ficaram lá durante três dias acompanhando o fenômeno e de lá saíram, para anunciar em outros campos a boa nova aos povos da Região. Esqueceram-se da própria casa e, também, das ovelhas.

Igualmente, sabendo da notícia, vieram uns Magos do Oriente, para adorar e presentear o Menino. Não muito distante dali vivia o homem que reinava naquele país. Avisado do fato, pelos próprios magos que passaram por lá, não se conteve em sua insegurança e, por medo de perder o poder, decretou que fossem morto todo o menino que houvesse nascido dentro de um período limite de dois anos.

A mulher do pastor, sozinha, não teve tempo de fugir, nem esconder o filho, para livrá-lo da espada do "político Herodes", que não admitia um líder rival em hipótese alguma. A mãe, a exemplo de tantas outras naqueles arredores, viu o berço do próprio filho rodeado, não por animais, pastores e magos, mas pela soldadesca do rei. Viu o berço do filho, não forrado com capim quentinho cheio de vida, porém com panos ensangüentados por conseqüência do assassinato daquele menino inocente e anônimo, que lhe fora brutalmente arrancado dos braços e ali mesmo, na sua presença, degolado com uma espada afiada.

O pai que não conseguiu se quer registrar o filho para dar-lhe um nome, precisou enfrentar a realidade do maior sofrimento que um ser humano possa suportar: a perda de um filho querido, que nem chegara a conhecer. Que Natal!

Não posso concluir este pequeno conto, porque as lágrimas não me permitem. É preciso, porém, não ficar só na emoção dos presentes, mas adorar a Jesus que nasce e procurar ver o outro lado do Natal. Quantos inocentes anônimos estarão morrendo, naquela noite venturosa, por meio das espadas de muitos Herodes que persistem em continuar a mesma história ainda hoje. Quantos inocentes morrerão, não pela espada, mas pela ganância, avareza, tirania e desrespeito à dignidade humana dos indefesos. Somente poderá celebrar dignamente o Nascimento de Jesus, quem, de fato, converter-se para o Reino de Deus. E só assim poderá dizer com os pastores: Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade.