UM DIA DEPOIS (DELA) - CAP. 4

Outro dia comum na casa da família Revicci. Primeiro a mãe acordava, e chacoalhava o pai umas três vezes antes dele resmungar querendo mais um cochilo. "Levanta! Vai se atrasar".

Descia as escadas, acendia a luz do quarto da Fabiana. E como ela odiava que acendessem a luz do quarto. Porque não o abajour? Outra luz qualquer, menos a da lâmpada. Enfim conformava-se que podia ser pior, podiam lhe jogar água na cara. Funcionava, menos para o seu humor.

Todos prontos, arrumados. Ela, disfarçando o sono com sua maquiagem importada. Tomavam seu café da manhã.

Torradas para o pai, frutas para a mãe. Só leite, não muito quente para ela. "Não me sinto muito bem de manhã, acho que é o estômago" sempre dizia isso, mudando as palavras mas queria dizer que sentia enjôo de aguentar todo dia a mesma falsidade.

Entravam no carro os três, a mãe dirigia. O pai lia o jornal enquanto isso e sempre comentava sobre alguma notícia ruim, que era motivo para não se alegrar no trabalho, fazia-o sempre como tivesse necessidade de alimentar um vício mórbido.

Primeira parada, ela descia, ajeitava sua blusa e o cabelo, se olhava no vidro do carro e sorria. Mantinha o sorriso do momento em que se olhava no carro até o momento em que saísse da escola e entrasse no mesmo.

Tomou cuidado dessa vez para não esbarrar em ninguém novamente, mas o fez sem prestar atenção em ninguém. Ninguém em especial. Procurava alguém especial, mas duvidava que fosse encontrar assim de repente. E pensou na esbarrada do dia anterior. Pensou como pensava na vida, cientificamente, pensou que a esbarrada foi uma coincidência entre dois corpos que tentavam ocupar o mesmo espaço e que, claro, sabia que pela Física, era impossível. Mas seria mesmo? Nascia ali um pensamento mais humano, mais sentimental, que antes era tão esmagado pela inteligência elevada.

Decidiu guardar o pensamento para mais tarde, havia chegado cedo e foi à lanchonete tomar café sem sentir náusea dos próprios pais.

Pediu um lanche natural, e sentou-se para comer. Limpou a boca com o guardanapo, aproveitou para retocar a maquiagem. Abriu seu estojo de maquiagem, não achava-se tão linda quantos os outros diziam ser mas fazia suas caras sensuais ali mesmo no espelhinho. Guardou o espelho, na bolsa. E virou a cabeça pra cima, como fazia sempre para jogar o cabelo para trás. Nem reparou no tenis sujo ao olhar para o chão. O tênis, que havia visto ao recolher uns livros rabiscados no dia anterior.

Para sua surpresa, era ele, até então, desconhecido estabanado. Sorriu como sorria para todos, fingiu umas perguntas bestas e logo se retirou da mesa. Deixando o jovem, desconhecido e pouco importante, como todos os outros que a admiravam.

Ele, sem resposta, sentou-se no lugar antes ocupado por ela. Colocou o fone de volta no ouvido e pensou que sua vida era muito mais que um olhar, e um outro sorriso. Decidiu estudar para a prova da aula seguinte. Ele, que nunca foi de estudar. Mas também, nunca foi de sonhar. Estava cheio de experiências novas. "Sempre há uma primeira vez para tudo" pensava sozinho, como sempre pensou.

E não havia mal algum pensar assim.

Ricardo R
Enviado por Ricardo R em 13/02/2009
Reeditado em 01/06/2009
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