Outro Conto Bovino

Ele tremia. O problema com armas é que elas matam e o sangue é pecado e mancha a pele, fica na mão e não sai. E ele tremia. O sangue escorria da espada para a mão dele onde formava uma pequena anti-poça e pequenas gotas caiam no chão para a real poça. Quanto sangue haveria em uma pessoa? Quantos litros? Essa quantidade de sangue devia tornar o coração um músculo forte por bombear tanto sangue. Frágil, o mais frágil dos músculos...

Ainda tremia. Por que seus joelhos molhados de sangue da poça aonde seus joelhos tocavam o chão não eram sentidos? Por que cada centímetro do seu corpo suado e sôfrego e machucado não era sentido? Mas uma dor enorme no coração. É muito sangue para um corpo tão pequeno. Ele tremia.

Foi um confronto longo, um último golpe, dois corpos, dois mortos, um por querer e o outro sem a menor intenção. O problema com as armas é que elas matam. Um golpe violento, sem controle. Sua dama muito perto do adversário e sangue. Ele tremia. A cara de dor de uma bela mulher tentar puxar ar para os pulmões enquanto o sangue a sufoca. Terrível. E ele tremia.

Se seus olhos tivessem duas vezes o tamanho que tinham, talvez ele conseguisse diluir a poça de sangue com lágrimas. E tremia. Ninguém gosta de se sujar, muito menos com sangue. Esfregando o corpo sem vida de sua amada contra ele tinha dificuldades de respirar por trás do pranto. Tremendo.

Um grito, talvez um não, inteligível. O que a morte de uma dama faz com um cavaleiro. E que maior desonra há do que matar uma dama. E a sua dama? Talvez a faca que penetrava entre as suas costelas e rasgava suas vísceras doeram. Talvez não. Ele tremia. Chorava e cerrava os dentes. Que dor seria maior, o coração frágil que se parte ou a faca que lhe tirava a vida? Tossindo sangue deitado numa poça de sangue que não era sua encarava seu amor sem vida. Seu pecado, sua desonra. Maldito é todo guerreiro que macula sua dama, pois nada pior pode acontecer a um. E aqueles olhos sem brilho olhavam para ele e ele encarava de volta. Queria que sua morte a trouxesse de volta. Que suas mãos não estivessem manchadas. Ele não viveria com essa desonra, com essa dor, com essa mácula. Apertou a faca em suas entranhas e o mundo escureceu. Ele tremia.