Nada melhor do que...

Nada melhor do que a hora de ir embora. Ô horinha maravilhosa! Melho ainda na sexta-feira. Vandernelson, o estagiário, corre aprontar as suas coisas. Junta tudo o que estava espalhado ao chão, canetas, folhas, grampos, bolachas, salgadinhos. Espera ansiosamente o ponteiro dos segundos chegar ao seis para correr, digo, voar para casa. Uma lástima ter que trabalhar no décimo quarto andar. Quando chegava o elevador, e se chegava, via lotado. Pior que ônibus só elevador. Mas parece que o dia estava de bem com Vandernelson. Em menos de dois minutos chega o esperado meio de transporte, e o melhor, vazio. Nada melhor do que elevador vazio. Restando somente míseros centímetros para o elevador se fechar uma mão surge entre a fresta fazendo-o que abra. O coração do nosso amigo estagiário quase foi boca a fora. Era seu chefe. A imagem do chefe, na maioria das vezes, é de um cara rude, sério, sem muito tró-lo-ló. Pois assim era o chefe do Vandernelson. Claro que, para ajudar, o coitado era estagiário. Todo mundo já ouviu alguma vez a culpa é sempre do estagiário.

- Quem matou isso?

- O estagiário de criminologia.

- Quem queimou aquilo?

- O estagiário de bombeiros.

- Quem acertou o sapato no bush?

- O estagiário de jornalismo.

Pior do que estar no elevador com seu chefe era o papo a levar. O silêncio era tanto que dava-se para ouvir as batidas do coração. Até que o chefe abre a boca:

- Chegamos à sexta-feira.

Caro leitor, se aqui você já se simpatizou com Vandernelson, venho revelar que nosso amigo fez o que nunca na sua vida deveria ter feito. Abriu a boca.

- Graças a Deus.

A cena se passou da seguinte maneira:

Décimo terceiro andar. Silêncio.

Décimo segundo.

- Como assim "graças a Deus"? Quer dizer que não via a hora de chegar o final de semana?

- Não! Que isso! Disse que graças a Deus enfrentamos mais uma semana de trabalho.

Décimo primeiro. Silêncio.

Décimo andar.

- Como assim "enfrentamos mais uma semana de trabalho". Então o senhor quer dizer que é um sofrimento ter que vir trabalhar. Tão sofrido que chega a ser um desafio.

- Não! Não foi isso que quis dizer. Minha intenção era falar-lhe que foi uma semana cansativa.

Oitavo andar. Silêncio

Sétimo andar.

- Como assim "uma semana cansativa"? Quer dizer que estamos explorando os estagiários?

- Não! Meu Deus. Refiro-me que eu é quem estava cansado. O serviço é muito tranquilo, sossegado. Eu é que estava com muito sono.

Quinto andar. Silêncio

Quarto andar.

- Acha o serviço tranquilo e sossegado que dá tempo até de dormir?

- O quê? Eu não disso isso. Disse que... A quer saber, pense o que quiser.

- Muito boa a conversa senhor Vandernelson. É esse o seu nome não é? Então passe amanhã na minha sala para terminarmos esse diálogo direito.

Assim foi. No outro dia está nosso amigo estagiário, ou será que já posso escrever ex-estagiário.

- Sente-se senhor Vandernelson. Ontem mesmo tivemos uma conversinha, está lembrado ou ainda está com sono?

Olhando para os tênis, Vandernelson apenas confirmou com a cabeça.

- Pensei muito na nossa conversa. E digo que tomarei uma atitude um tanto severa. Não é de meu feitio fazer isso, mas se acha que seu serviço é sossegado e tranquilo resolvi promover-lhe. Agora não terá tempo nem de piscar. De telefonista passará a ser porteiro. Até mais ver senhor Vandernelson.

Vandernelson sai da sala e reflete:

- Até que não me saí mal. Pelo menos não vou precisar pegar o elevador. Nada melhor do que não pegar elevador.

Eduardo Costta
Enviado por Eduardo Costta em 16/02/2009
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