Ele não voltará nunca mais

Álvaro seguia a mais de cem quilômetros por hora. Sentia-se leve. Estava fugindo, sem dúvida, mas quem precisa de mais problemas? Toda a sua vida até então tinha sido de uma inutilidade sem precedentes. Estava preso a um serviço de merda, que pagava mal e era a última coisa que sonharia em fazer. Tinha quase trinta anos e ainda era dependente dos pais. E, para fechar com chave de ouro, o único relacionamento que teve na vida acabou de uma forma amarga. Ela lhe disse que o amor tinha acabado. As promessas de vida em comum tornaram-se névoa, folha levada pelo vento para nunca mais voltar. Realmente as coisas não andavam nada bem para Álvaro, devo concordar. Por essas e outras razões secundárias, mas não menos penosas, ele decidiu pegar o carro do pai e sair sem destino, deixar tudo para trás sem culpa. E com um objetivo na cabeça. Ele não voltaria nunca mais.

Abriu as janelas. O vento brincava com seu cabelo, mas ele não se importava. Pela primeira vez em muito tempo ele se sentia feliz. Uma mistura de alívio com completa falta de preocupação. Lembrou-se da infância. A primeira vez que andou de bicicleta sem rodinhas. O vento entrava por dentro da roupa, as árvores pareciam correr do seu lado. Uma sensação de liberdade tomava conta de cada membro do seu corpo. E quando ele voltava para casa a mãe estava à espera no portão com um sorriso nos lábios que iluminava tudo. Nessas horas ele achava a mãe a mulher mais linda do mundo. Ela lhe pousava um beijo na testa e perguntava se tudo correu bem. Álvaro olhava aqueles olhos cheios de ternura e respondia que sim.

A chuva continuava a castigar. O vento tornava-se mais cortante, mas ele não se importava. Os olhos estavam marejados. Lembrou-se de Lídia. Ainda podia sentir o cheiro dela. Tinham feito tantos planos juntos, tinham dado tantas risadas. Quantas vezes ele lhe dissera o quanto a amava, como o mundo dele tinha se tornado mais colorido depois que a conheceu, como o toque dela era capaz de curar qualquer dor. Palavras. Frases poéticas pronunciadas por um romântico incorrigível. Não valeram nada. Ela foi embora sem dar explicações, sem molhar os olhos. Nada. O tudo que virou nada. O nada que virou tudo.

O céu começou a abrir. A chuva parou. Álvaro parou o carro. Desceu. Tirou o tênis e começou a andar pela terra. A lama sujava seus pés, mas ele não se importou. Pensou no que tinha se tornado, algo bem diferente do que imaginou. Tinha vergonha de si mesmo, um fracassado sem dinheiro no bolso, mas cheio de sonhos na cabeça. Isso provavelmente não significa nada. Ninguém vive de sonhos. E quando tudo cai por terra fica difícil até de sonhar. A dor tomou conta da mente e do coração. Álvaro começou a chorar, e seu choro não conseguiu amainar a dor. E quando a dor se torna insuportável, os olhos cegam, e só há uma saída.

Álvaro segurava uma arma. O sol deu o ar de sua graça. Que contraste! Um dia tão lindo para uma vida tão miserável. Ele fechou os olhos. Aquele sol lhe fazia mal, a luz embaçava sua visão. Ele não se achava digno de presenciar algo tão bonito. Os soluços aumentaram. A angústia tornou-se pesada demais, assim como a vida. Um pássaro pousou numa árvore próxima. Álvaro disparou o gatilho. Um tiro no coração tão magoado. Caiu. Jazia no chão um corpo sem vida e uma vida sem amor. O pássaro não se moveu. Ele não se importou com o barulho, assim como Álvaro não se importava com o fato de deixar de existir.

Agora o que vejo todos os dias é uma mãe no portão à espera do filho. Ela sabe da verdade, mas não se importa. Sonha em acalentar o filho nos seus braços, em beijar-lhe a testa como fazia antigamente. Para ela o sonho é o que restou. O sonho e uma foto do filho pendurada na parede. Seus olhos ensandecidos movimentam-se para todos os lados à procura do filho. Mas ele não voltará nunca mais.