Contos Noturnos III - Verão

"Embriaguez"

Era noite, meu corpo tremia e agitavas-se de uma maneira diferente. Era carnaval, depois de umas doses de "Jack", de tequila e de vodca, fora as seguintes latas de cerveja eu não sabia direito aonde estava. Todos dançavam, menos eu. Meu irmão mais velho beilava com sua belíssima e embriagada esposa, meus pais caíam no ritmo das baladas antigas, e o país caia em uma folia de esquecimento, enquanto eu, o velho Joseph, ficava com a velha garrafa de "Jack" à mão e o cigarro aceso no canto da boca.

Já estava começando a chegar a madrugada, talvez fosse duas ou três da manhã, não tenho certeza. Bebi um gole profundo direto da boca da garrafa, respirei forte para tentar evitar o vômito certo, e encarei meu irmão que estava a se divertir.

- Fábio, já não acha que é hora de ir embora?

- Por que, rapaz? Até parece que não quer mais uma dose!

Disse ele rindo-se de mim, e me oferecendo um copo de vodca.

Peguei o copo e deleitei-me no sabor acre e fogoso do líqüido transparente e russo.

- Não sei, meu irmão, está ficando tarde e a estrada é longa.

E deveras a estrada era longa, para chegarmos na cidade aonde estávamos tínhamos no mínimo uns 100km de distância, para eles a festa tradicional valia, para mim, um copo cheio era mais precioso. Minha tatuagem nova coçava, e eu com o efeito do álcool mal percebia meus dedos a raspar as cascas negras. No meu pulso estava escrito algo que eu jamais queria esquecer, e jamais esqueceria, tendo em vista tudo aquilo que ocorrera.

Fazia muito mal uma semana desde que minha banda houvera lançado seu primeiro álbum, eu estava com minha família a comemorar o lançamento e os shows que já haviam sido programados. Eu, naquele momento, tivera tudo para agraciar minha alma, menos quem sabe, aquela que tinha seu nome “eternamente” escrito em minha pele e que por minha levianidade havia afastado-se de mim. E eu bebia para me esquecer. Oh, quão tolo e jovem eu era!

- Joseph! Venha cá!

Chamou estridente meu pai, enquanto rodava pelo salão com minha mãe carregada de duas canecas de cerveja, tirando-me bruscamente de minha paranóia e solidão.

- Fale!

- Tu mãe não está muito bem, chama o Fábio que vamos embora.

Disse ele rindo e comemorando, como se no fundo a enfermidade de minha mãe pouco importasse.

- Está bem...

Saí a contra gosto, ainda que aliviado e fui-me atrás de Fábio. Chamei-o e logo estávamos dentro do carro prata, dirigindo-nos para casa.

Minha mãe, uma mulher de estatura baixa e peso elevado, estava ao volante, mas logo, trocou-se de lugar com meu pai, um homem não muito alto, de olhos verdes e cabelos crespos, como um mestiço de árabe e europeu. Este pegou o carro e levou-o à potência máxima...

Com o sacolejar do carro em alta velocidade na estrada de pedras batidas e gastas em piche, meu estomago já intoxicado reclamava as exageradas porções de bebida, e as náuseas cobriam-me as vistas. Eu tinha enjôo, e o carro rangia faminto pelo asfalto, como se o que o alimentasse também suprisse a necessidade da terra em ser pisada por suas rodas “quatro-por-quatro”.

Eram quatro horas da manhã e meus olhos ardiam um fogo desconhecido, enquanto meu irmão com sua esposa dormiam. Eu ficava observando entre ânsias de vômito e tosses o que se passava com meu pai e tua mulher. Ela tonta deitava-se suspirando e resmungando, e eu sorria e conversava comigo mesmo durante a viagem. Então, não sei por qual motivo aquele que dirigia o carro acelerou-o, e entre a curva foi alucinado falando das árvores que se iam mais verdes, dos olhos mais estridentes e claros, e de meu corpo tão frágil e rígido que se partiria com uma batida. Um medo se apossou de mim.

Meu irmão levantou-se rápido, e logo violentamente acordou sua mulher. Ela respirava alto e olhava para nós com os olhos castanhos e arregalados, e no meio da noite todos nós deslisávamos pela areia, descontroladamente, e então como um brinde, chocávamos uns aos outros, às taças, num muro entre-aberto a uma subida escassa.

Meus olhos conseguiram ver o sangue escorrer, e de minha boca sentia o gosto acre e enferrujado. As vistas embaçaram-me, mas não sentia dor, estava demasiadamente anestesiado para isso, meu sangue fervia e se diluia na gasolina espalhada pelo chão, meu irmão gemia e se contorcia, minha mãe estava eternamente desacordada, e meu pai, ria-se com uma maldita garrafa de tequila de baixo do braço esquerdo, com o rosto penetrado por filetes de vidro estraçalhado, enquanto eu mal conseguia mover um dedo, amassado entre os metais esticados e remendados em formas inauditas.

Eu vi meu corpo deitado fixamente entre os escombros, enquanto sentia meu ser sendo elevado, e flutuante, passar por toda a cena que coberta era por fumaça e cheiro de enxofre e carbono. Tentei retornar, mas não consegui! Queria ter voltado e me levantado, meu corpo estava todo dormente e eu mal conseguia sair do lugar aonde me sepultava! Eu senti minha boca amargar e meu coração desfalecer!

Logo após isso, jamais consegui sentar-me no carro outra vez. Em nenhum outro carro... Visitei meu pai algumas vezes no hospital, a culpa foi deveras grande e sua embriaguez ainda era no fundo, rasa. Minha mãe, tola e livre, se encontra comigo algumas raras vezes, infelizmente falamos pouco, nunca tivemos muito a dizer um para o outro; meu irmão continuou a vida que levara antes com tua companheira. Eu nunca mais consegui falar com eles... Minha voz quedou-se surda e meu corpo imaterial. Eu me transformei numa redação experimental de forma espectral. As conseqüências da festa foram graves em demasia, e ainda assim, enquanto queimava minha pele, teu nome foi a última parte a se dissolver, e permanente queima em meu íntimo tua coragem e virtude. Eu jamais consegui tocar teus lábios novamente, talvez, e só em hipótese, 'numa atéia oração a um desconhecido. O esquecimento era o que mais me assombrava e hoje não passo de sussurro e rijo lamento.

- Joseph, acorda! Estamos chegando!

- Ele não levanta!

- Joseph! Joseph!

Máquinas soam o fim de uma vida.

- Está morto. Diz o paramédico.

O silêncio sobe a saleta da ambulância e a estrada. Um abrir de garrafas é o único som que se ouve. A bebida é a paixão e o suicídio involuntário.

R Duccini
Enviado por R Duccini em 27/02/2009
Reeditado em 29/03/2009
Código do texto: T1460073