Janelas.

Acendeu um cigarro de canela e parou o olhar no ar, observando na fumaça os desenhos visíveis apenas para ele, aspirais, sorrisos, crianças, a imaginação correndo solta naquele domingo. Encontrava no cigarro a libertação, onde tragava dor e soltava alivio, e porque não uma falsa alegria, e uma ilusão de que os desenhos que a fumaça formava no ar era muito mais que fruto da sua imaginação, e sim o seu mundo interno tentando de alguma forma simbolizar coisas que nunca chegariam a sua consciência se não fosse os desenhos que a alma fazia com a fumaça.

Parou por trás da janela enquanto fumava, e delicadamente se atreveu a olhar através dela, talvez por eterna curiosidade de saber como estava o mundo lá fora, já que uma vez leu, ou ouviu, não se recorda ao certo, que as janelas eram os olhos da casa, através da janela coisas entram, coisas saem, mais não ali, naquele apartamento localizado em um arranha céu no centro do mundo, as janelas dali não permitiam que nada entrasse nem saísse, elas até poderiam ser os olhos da casa, porém simbolizavam almas eternamente fechadas, para ser mais preciso, lacradas, almas que nunca voltariam a se abrir, nem com torturas de forças maiores, a janela ali naquele arranha céu simbolizava a rejeição do mundo interno, uma decisão difícil para um jovem que ainda tinha uma vida inteira pela frente, porém uma rejeição sábia de quem a vida inteira tentou de alguma forma fazer parte do mundo externo.

Acendeu alguns incensos, algumas velas, e algumas ervas ilusórias, deitou no chão, bem no centro do apartamento, abriu os braços, abriu as pernas, de forma que pudesse analisar cada canto, até pensou em abrir a janela e deixar que parte da sua alma circulasse pela calçada lá embaixo, fazendo com que algumas pessoas notassem que ele ainda estava vivo, mais hoje não, domingo não foi feito para mostrar a alma, domingo foi feito para se guardar, se perder na solidão, ou quem sabe ir em algum parque, sentar embaixo de uma árvore e ler contos eróticos, talvez domingos sirvam para tomar sorvete, ou para aquele almoço chato em família, mais para ele, hoje o domingo representava apenas um cara deitado no centro do arranha céu, localizado no meio do mundo, com janelas fechadas, janelas que simbolizavam a alma daquele rapaz que não se sabe porque optou por aquele tipo de vida, talvez fumaças no ar e janelas fechadas o preenchiam muito mais que qualquer falsa manifestação de alegria nesse mundo insano.

Rapidamente todas aquelas fumaças foram envolvendo o jovem rapaz, passando a mão sobre a sua cabeça, e calmamente ele foi adormecendo, olhando ainda consciente o quanto aquelas fumaças tentavam escapar pela janela, o quanto elas circulavam pelo apartamento tentando encontrar uma saída, mais no fim, as fumaças soltas no ar, voltavam para dentro do rapaz, pois eram ali que elas deveriam estar, dentro dele, as fumaças representavam a alma, almas que tentavam fugir, mais retornavam ao corpo, onde sutilmente eram abraçadas, onde sutilmente envolviam aquele rapaz e dormiam mais uma vez para outra morte do mundo externo, e juntos acordavam para o mundo interno, onde janelas nunca mais seriam abertas...

Carla Carina
Enviado por Carla Carina em 01/03/2009
Código do texto: T1463525
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