Quero essa!
 
- Quero essa! Quanto é, mesmo? É essa!

Em casa, em frente ao espelho, analisava em si o efeito da nova aquisição. “Sou outro! Sim, sou outro! Agora, eu quero ver... Ah, eu quero ver, quero que me vejam... Sou outro.” E se ajeitava e se olhava. Fechou correndo as cortinas. “Que ninguém me veja eufórico a me olhar no espelho assim, como se fosse sei lá o que... A vaidade é tola. Não! Eu não! Não sou vaidoso, não sou tolo.” E sua imagem refletida andava dentro do espelho afetando espontaneidade. “Fosse eu mulher, nada de mais. Mas, não, não cai bem a um homem - e o pior, homem maduro - gozar assim de algo banal como isto.” E continuou à frente do espelho. Após, correu ao banheiro para ver como ficaria sob outro tipo de iluminação.

“Ninguém que me conhece acreditaria nessa minha cena. Eu me olho, me examino freqüentemente, mas sempre escondido, discretamente. Vejo-me nas vidraças das lojas, porém, se alguém parece perceber que me olho a mim e não o que está dentro da vitrine, eu dissimulo, engano, foco o produto - livros, em geral, porque não vou ficar na rua olhando roupas e outras futilidades -, e comento em voz baixa, como se fosse para mim mesmo, o preço ou qualquer outro detalhe. Contudo, em regra, eu o faço discretamente, enquanto caminho, como quem olha o que passa em se deter. E também o faço nos automóveis parados: uma leve torção do pescoço e me observo - um olhar fugaz. Mas que ninguém saiba! Não é só questão de masculinidade; é, antes, uma questão de manter uma aparência de que não me importo com a aparência. Eu sofro o diabo com isso! Mas não deixo transparecer. Sou preocupado com a essência, a aparência é matéria dos superficiais, dos fúteis.” E virava de lado, e trocava a calça e, depois, o tênis. “Ou seria melhor um sapato. Mas não sou fútil – fútil é quem vive para isso. Eu penso, reflito. Ridículo?! Não, vou trocar...”

Andou até a porta. “Tomara que eu não encontre agora um conhecido. E se aparecer alguém? E se me achar um idiota? Não, não, tá natural; afinal, sou espontâneo. É capaz até de me achar ousado... Ou um velho idiota metido a jovem? Danem-se!”

Entrou no elevador só, saiu do prédio de carro e dirigiu-se até um bar famoso, no qual nunca havia ido. Entrou, sentou-se a uma mesa bem posicionada e pediu um chope. “Estão me olhando. Aquela da esquerda olhou rapidamente e virou o rosto, mas vai olhar de novo – tenho certeza...”. Bebeu um gole. “Olhou! Encaro ou não encaro? Encaro...” Acendeu um cigarro, olhou o relógio, disfarçou. “Aquela ali também tá olhando, de relance, como começa – eu tô no jogo! Deu certo!” Sentado à mesa, chope pela metade, cigarro aceso entre os dedos, peito estufado, olhos ligeiramente cerrados. “Será que devo convidar aquela ali para se sentar comigo? Ela olha para mim ou para alguém atrás de mim? Não, é para mim que olha, mesmo; mas não vale a pena chamá-la, não é tão bonita assim. Vou olhar através dela; vou olhar através delas... Quem são elas? Não são nada de mais.” Jogou os ombros para trás. Terceiro copo vazio. “Para eu levantar daqui, é preciso que seja linda; não vim para qualquer coisa”.

Uma hora depois. “Tá me olhando, e é bela, belíssima! Quero essa! Ela disfarçou. Vou encarar, ver se ela desvia os olhos ao cruzá-los com os meus... Olha para mim? Parece estar falando com a amiga sobre mim. A amiga vai olhar, com certeza... Olhou! Mas ela não parece me levar a sério! Sorri, sem dúvida sorri, mas é um sorriso um tanto irônico, é uma face que reflete o ridículo, o patético”. Ombros para frente, cenho franzido. “Ela está olhando o que em mim? Será que não gostou de como estou vestido? Estou patético? Que expressão enigmática tem ela agora!” Ombros mais arcados, cotovelos na mesa. “Não deveria ter vindo assim. Estou cômico; se estivesse de outro modo, tudo seria diferente. Sou mesmo patético.” O garçon trouxe a conta, ele pagou e saiu apressadamente, com a cabeça baixa, desviando o olhar, sufocado dentro de si mesmo. “Ridículo!”