O Gato no Mato

Josias Monteiro, funcionário dedicado do maior cartório de registro de imóveis da cidade, aguardava ansioso a chegada do patrão naquele dia. Pediria um aumento de salário. Sua situação financeira não estava boa, muitas dívidas e sua mulher acabara de informa-lo que estava grávida.

Pela janela de sua sala, Josias viu a chegada do seu patrão Dr. Saraiva, bacharel em direito, que conseguira a posse do cartório com mafiosas transações. Ele desceu de seu novo carro, comprado no dia anterior, uma luxuosa Mercedes Benz preta, zero quilômetro.

Homem alto, elegante, com poucos cabelos brancos em seus 50 anos, Dr. Saraiva entrou em seu gabinete. Pendurou seu paletó Armani e afrouxou sua gravata italiana. Sentou-se em sua confortável cadeira e começou a assinar alguns papéis. A secretária informa-lhe que o funcionário Josias Monteiro desejava falar-lhe. Mandou que entrasse.

-Sente- se, seu Josias.

-Obrigado, sentou-se.

-O que o senhor deseja.

-Pois então, doutor, eu estou com alguns problemas financeiros, por isso, venho aqui pedir que o senhor aumentasse o meu salário em ...

-Veja bem, Sr. Josias, o cartório está passando por um momento difícil. Estamos reduzindo gastos, estamos há algum tempo trabalhando no vermelho. Não temos lucro há um bom tempo.

-Mas é pouco o que peço, Dr. Saraiva.

-Veja bem. O pouco que o senhor pede é muito para nós. Não estamos em condições de aumentar nem um centavo em qualquer salário.

-Tudo bem, respondeu Josias e voltou para sua sala.

Conversando com um colega sobre sua entrevista com o patrão, Josias lembrou-se de um acontecimento que marcou sua infância. Ele relatou a história para o colega e foi mais ou menos assim:

Eu tinha 10 anos.

Em meados da década de 80 minha mãe tinha uma amiga, dos tempos de normalista, chamada Tânia. Ela era uma senhora de 40 anos, cabelos curtos, ondulados e negros e usava uns óculos de aros grandes.

Tânia almoçava quase todos os domingos lá em casa. Ela era solteira. Num desses domingos, quando mamãe preparava o típico almoço do dia: macarronada e frango com açafrão, sua amiga chegou trazendo uma caixa de sapato com alguns furos. Ela logo procurou pelo meu irmão caçula: Luís, de 3 anos. Ele apareceu, imediatamente, ao ouvir o chamado.

-Luís, olha só o presente que eu trouxe para você! - e entregou-lhe a caixa.

Meu pequeno irmão agradeceu e quando abriu a caixa, seus olhos brilharam. Dentro da caixa havia um gatinho branco com listras pretas e amarelas. Um filhote. Luís correu para mostrar o presente para mamãe. Ela esboçou um sorriso amarelo, pois não gostava de gatos, mas nada comentou.

Almoçamos normalmente. Tânia foi embora. O caçula não largava o presente. Foi o dia inteiro carregando o gato pra lá e pra cá. Ele não queria largar o gato nem para tomar banho, foram necessárias algumas palmadas para que ele tomasse banho sem o gato. Mamãe aproveitou a separação e trancou o gatinho no quartinho que ficava nos fundos da casa. Depois do banho, Luís queria brincar com o filhote. Mamãe não deixou, já estava tarde, era hora de dormir.

-Amanhã você brinca mais com ele, disse mamãe. O caçula inconformado foi dormir.

Eu estava na sala, assistindo ao Fantástico. Mostrava uma entrevista com o nosso novo Presidente da República dizendo que no seu governo combaterá a corrupção, acabará com o analfabetismo, diminuirá a violência e trará melhorias à saúde pública. Mamãe apareceu irritada dizendo para meu pai que não queria de forma alguma aquele gato em casa. Ela tinha pavor à gatos porque o filho de sua prima ficara cega por causa da toxoplasmose, doença transmitida por gatos.

Confabularam um plano. Na manhã seguinte, eu acordaria bem cedo, pegaria o gato antes que meu irmão acordasse (sobrara pra mim) e soltaria o gato perto da minha escola.

Acordei mais cedo do que o normal. Tomei o café-da-manhã. Escovei os dentes. Fui até o quartinho dos fundos. Peguei o bichano, coloquei-o na caixa furada e o deixei dentro do carro. Eu voltei para dentro de casa e fiquei assistindo à televisão enquanto aguardava meu pai. O caçula acordou. A primeira coisa que fez foi procurar o seu bichinho. Onde está o gatinho? Ele repetia sem parar. Chorava desesperadamente. Mamãe comoveu-se, mas não voltou atrás. Ela disse para ele:

-Meu filho, o gatinho foi embora. A mamãe dele estava com saudades e veio buscá-lo. Ele tinha que ir, estava muito triste e ela também.

Meu irmãozinho calou-se. Voltou para o quarto e dormiu.

Papai e eu entramos no carro. Partimos. Minha escola ficava cerca uns 5 quilômetros de casa. Paramos em frente a um terreno baldio. Desci do carro com o gato nos braços. Larguei-o no chão. Ele olhava para o interior do lote, o mato estava alto, e olhava para mim. Miava sem parar. Bradei com ele e bati o pé no chão. Ele correu como um tiro no meio do mato. Fui para escola.

-É meu colega, ouvimos mentiras por toda a vida e muitas vezes não podemos argumentá-las.

Josias Monteiro voltou ao trabalho.