Tróia.

Ela pegou o avião e seguiu destino a um lugar onde aquietasse suas paixões. Sua mente divagava. Dentro da fuselagem a vida estava suspensa e, temporariamente, dispensada de todas as urgências. Confinada naquele casulo havia Helena e suas inquietações.

Deixava para trás paixões interrompidas e uma respiração contida em soluços, como a emoção que oscilava em seus registros mais tênues. As despedidas mais importantes fizeram-se na imaginação, era assim que acontecia, no desequilíbrio dos desejos antagônicos.

O ambiente pressurizado mendigava oxigênio, então todo torpor poderia ser o motor de um delírio. A poltrona ao lado roubava a atenção, era um hábito desesperado de se agarrar a pulsão do presente e adiar um confronto com seus temores...

Sua pele ainda estava impregnada do perfume de F. um halo de madeira almiscarada que denunciava sua cor morena. Um perfume inconfundível, que só era possível partindo de alguma fragrância associada aos seus hormônios, que ferviam diante daquela presença delicada e imponente.

Havia também a gargalhada cristalina de dentes alinhados e belos; vincos nos cantos dos olhos que davam um ar mais afetuoso a sua presença. Como todo este teatro denunciava a urgência de algum contato, a certeza de alguma falta.

Do outro lado do oceano estava a incerteza, tinha cabelos de um castanho diáfano que fazia daquela figura uma presença fluída. Como a paixão podia ser tão indescritível, não conseguia descrever suas formas e seu rosto. Apenas continha em si uma necessidade quase física de tocar e recordar o gosto da saliva e o sal delicado do seu suor.

Perdeu-se na memória a noite conturbada em que se conheceram, e se repeliram, e se destrataram com um despudor que apenas enredava. Ninguém recorda as festas dos amigos comuns onde se evitaram com indiferenças ensaiadas, e como esta espiral de sentimentos contraditórios conduziu para uma armadilha fatal.

Vagamente Helena se recorda do primeiro beijo; arrebatador, quase violento, porém, impregnado de uma ternura a qual não foi capaz de resistir. Agora sua atenção tinha um nome, e seu tempo era a urgência deste encontro e a realização dos seus desejos.

Foi quando se sentiu mais fêmea, mais desejada e descobriu um apetite que não sucumbia ao êxtase. Quando se encontravam abriam cavernas e enfrentavam os extremos da entrega e da adoração, se amavam num grau elevado de desesperada paixão.

Helena sente um formigamento no ventre, suas entranhas registram a ânsia; seu ventre pulsa, seus mamilos eriçam ao revirar as memórias de línguas e dedos vasculhando seu corpo. Dentro do sapato formal seus dedos crispam na tensão que a expectativa conduzia.

A última memória limpa era de um banho que tomaram junto antes da viagem a Espanha, como se amaram debaixo do chuveiro e o quanto choraram pela distancia que se impunha ao que se desvendara, tardiamente.

Helena toca sua barriga e pressente um segundo pulso a dialogar consigo, a carícia é tão suave que vem acompanhada de um suspiro. Seus olhos estão cheios de lágrimas, uma felicidade cruel de estar tão longe e tão perto de F. quanto estar voando reto em direção a sua realização de mulher.

Quem entenderá tal opção?

Seu coração salta diante da constatação da gravidez, suas lágrimas rolam silenciosas na fragilidade das fêmeas prenhes.

Todos os cheiros que ama, toda textura que consegue distinguir e todos os sabores que reconhece, enfim, tudo se associa ao seu futuro, ao mesmo tempo, que se despede do seu passado.

Esta viagem é uma rendição incondicional de uma mulher e sua paixão, além da intensidade e do seu próprio senso de pertencer. Quisera o amor de F. e isto a redimiria, teriam este filho juntos e gastariam a vida ordinária em pequenas alegrias.

Este filho seria de seu, nada importava agora. Descobrira forças em sua paixão, estava pronta para se submeter a todos os riscos e arriscava.

Embalada por estas memórias acabou adormecendo num sono leve e confuso. Sentia as mãos que dominavam seu corpo com uma sabedoria tão plena que foi incapaz de resistir e quando deu por si estava desperta num gozo intenso e silencioso, assim tensa e com o rosto rubro ela ouviu o anúncio que estavam em terra.

A partir de agora sua terra era a Espanha e seu filho nasceria naquele lugar, metade de uma paixão longínqua, mas a maior parte caberia a vida que construiria adiante.

A porta se abriu e a fêmea nunca estivera tão perigosamente sensual, um sorriso radiante e uma certeza estampada nos olhos, no setor de desembarque lhe esperava Paulinha, linda, em lágrimas e profundamente emocionada.