No final, casal é tudo igual!

Atchim! Como um espirro pode mudar a vida de uma pessoa. Foi assim que tudo terminou entre Maria e Lucio, mais precisamente nas gotículas salivares que saíram de sua boca e que caíram diretamente no café de Maria. Dois segundos bastaram para que a xícara do café sobrevoasse a cabeça de Lucio e se espatifasse na parede.

Ela já não agüentava mais as manias dele. Ele não agüentava as reclamações. Estava um caos morar naquela casa, e olha que estavam casados há apenas dois anos. Todos os planos de família, ter filhos, comprar uma casa estavam se espatifando junto com a xícara.

- Pra mim já chega Lúcio. Você e suas manias nojentas de ser. Vou para casa da mamãe passar umas férias longe de você.

- Não sabe o bem que faz.

Como eram bons os velhos tempos. Ficar discutindo no telefone quem desligaria primeiro:

- Desliga você

- Não! Você primeiro.

- Então ta, vamos desligar juntos. No três. Um, dois, três. Amor, você ta ai? Não desligou , poxa amor.

Agora nem se quer ligavam um para o outro, e quando ligavam a conversa não passava de:

- Que você quer? Não tenho.

Até os vizinhos notaram a diferença do casal. Antes quando Maria lavava as roupas, não tinha somente as dela, mas cuecas, camisetas, nada de diferente. Agora nem suas calcinhas estão penduradas. As fofoqueiras de plantão criam idéias de que ela não as lava mais, ou que manda sua mãe lavar.

- Sabe quanto me custou essa xícara? Três reais com vinte e cinco centavos – disse Lucio voltando ao presente.

- Se o problema é o dinheiro então pegue esses três reais com vinte e cinco centavos e enfie...

- Olha lá o que você vai falar.

- E enfie na sua conta bancária, já que é a única coisa que você tem de valor.

A discussão durou o café-da-manhã inteiro, mas já estavam acostumados a essa rotina. Cada um foi para seu trabalho. Lucio era digitador numa empresa que prestava serviços para um banco. Ela era confeiteira, a melhor da região. Como os bancos estavam em greve, Lucio ficava o tempo todo sem fazer nada no serviço. O fazia com que Maria ficasse ainda mais irritada com ele.

- Ele está lá, sem fazer nada, enquanto eu aqui trabalhando como uma condenada.

Eis que chega a noite. Jornal ou novela? Uma nova discussão. Arroz ou macarrão? Outra discussão. Quem vai ao banheiro primeiro? E por aí vai. Para tudo eles discutiam, e aí se iam pratos, copos, talheres, escovas de dente, chinelos, e o que estava ao alcance de Maria. Ele nunca a agredia, por mais vontade que tenha, sempre foi um grande cavalheiro. Mas nós seres humanos não agüentamos tudo e nem por muito tempo. Lucio revelou a besta que existia dentro de si.

- Pra mim já chega! Quem vai sair dessa casa sou eu. Você já quebrou mais de cem reais em objetos da casa. Esse teto daqui uns dia vai cair em nossa cabeça, e falando em cabeça, preciso esfriá-la um pouco, pensar melhor mas coisas. Não agüento mais, vou para a casa da minha mãe passar um tempo.

- Além de tudo está copiando a minha idéia.

Mas ele nem deu bola para o que ela disse. Arrumou as malas num instante e logo partiu.

- Dê lembranças a sua mãe. Diga para ela que aquele pudim de domingo passado realmente não estava bom.

- Pode deixar que eu darei o recado, mas se porventura você ver a sua, diga a ela que eu nunca gostei daquela sopa horrível que ela sempre faz.

E se foi. Vai ser melhor assim – ela pensou – pelo menos vou ter a minha paz. A paz que eu tanto quis, que eu tanto queria que existisse entre nós.

Uma lágrima saltou de seus olhos, mas nem deu tempo de chegar à ponta do nariz, ela tinha passado o dedo e dita a si mesma:

- Não vou me deixar se abater por um homem.

A primeira semana foi tranqüila. Nada de roupas pelo chão, cuecas jogadas fora do cesto, toalha molhada em cima da cama, copo sujo, nem os dela estavam sujos porque quebrou todos, agora tomava em copos descartáveis. Tudo na santa paz, como ela sempre quis.

Ele, quando chegou à casa da mãe foi recebido com abraços, beijos, parecia o filho pródigo voltando do seu arrependimento. Fizeram um churrasco, chamaram os tios, estavam todos felizes, até saberem que ele veio para ficar por uns tempos. Aí o clima mudou, parecia que o dilúvio estava por vir.

- Como assim, voltei para ficar? Não temos espaço aqui, nos adaptamos depois que você foi embora – disse a mãe.

- Mas mãe, é só por um tempo até eu encontrar uma casa para ficar.

- Hoje é por um tempo, amanhã é por uma semana depois isso se converte em meses, anos, séculos...

- Ok, não precisa exagerar tio.

Depois de uns vinhos e vários pedaços de carne de porco, a mãe deixa ele ficar. Mas havia uma condição: ficaria contanto que fizesse os serviços de casa, como nos velhos tempos.

- Como nos velhos tempos – afirmou ele.

Estava tudo indo muito bem. Somente uma coisa Lucio se arrependeu de fazer, deveria ter tirado o atraso antes de ir. Estava na “seca”. Ouviu no rádio que final de semana teria um baile próximo da região. Não demorou muito e lá estava ele. Ainda era novo, mas esses dois anos de casado fez com que sua aparência mudasse bastante. Parecia mais velho e bem cansado, claro que o serviço contribuiu muito para que isso acontecesse. Ninguém o percebia na festa. Os antigos amigos já estavam todos casados, com filhos, e o pior de tudo, vivendo muito bem.

Enquanto isso, Maria chamou as amigas para fazer uma festa do pijama. Eram dez horas e somente a Rita tinha chegado. Rita era uma amiga dos tempos do colégio, aquelas tipo “nerd”. Usava óculos e aparelho, não que as pessoas que usem isso sejam todas “nerds”, mas que na maioria são assim, não podemos discordar. Era a única solteira, e assim como os amigos de Lucio, todas já estavam casadas, nem todas tinham filhos, mas estavam sobrevivendo a um casamento que por fim parecia duradouro.

- Será que vai ser só a gente? – perguntou Rita.

- Não sei. Escuta você não quer ir ligar para elas para ver se não vem?

- Mas eu não sei o telefone delas.

- Eu anoto para e você. Está vendo aquele orelhão lá embaixo? Então, corra até lá, quer dizer, não precisa correr, ligue para cada uma delas. Certo?

- Certo.

Lá se foi, graças a Deus. Agora é só trancar a porta e quando ela voltar fazer de conta que não mora nenhuma Maria aqui e que se enganou de casa.

Pode dizer, você já teve vontade de fazer isso também. Acredite, Rita era muito chata.

- Agora o que fazer em pleno sábado? Na televisão não passa nada que preste. Sair uma hora dessas não rola. Pelo menos se o Lucio estivesse... Se o Lucio estivesse aqui estaríamos brigando agora, como sempre era. Não Maria, nem sempre foi assim. No inicio era tudo mamão com açúcar, leitinho com bolacha. Tínhamos as nossas discussões básicas, mas que casal não tem. Pare Maria, está se dando por vencida. Agüente firme, ele quem quis sair de casa. Isso, ele quem quis sair, quando no contrario sou eu quem saio de casa.

Maria pegou o telefone, ligou para a casa da mãe dele e pediu para falar com Lucio.

- Ele não está? Como assim? Onde ele foi? Está com outra já?

- Calma Maria, uma pergunta de cada vez – respondeu a mãe- Primeiro, o pudim eu peguei a receita da sua mãe. Segundo ele não está mesmo em casa. Terceiro, como assim o quê? Acha que não pode mais sair? Quarto, está num baile aqui por perto. Quinto, até ter saído daqui de casa ele estava solteiro, mas sabe como é o Lucio.

- É realmente eu sei. Pensei que essa uma semana longe faria ele mudar a cabeça, mas pelo que vi continua sendo o mesmo Lucio que eu conheci. Onde é o baile?

A mãe passou o endereço para ela. Por mais ruim que seja a situação dos dois, ela gostava de Maria. Não queria que tudo terminasse assim. Lucio não demonstrava estar abalado com isso, mas sua mãe o conhecia muito bem.

Maria se arrumou num instante, assim como Lucio arrumou suas malas, e foi ao encontro dele. Demorou uma hora para chegar ao baile. No carro foi pensando no que iria dizer a ele:

- Seu cachorro! Não, acho que cachorro esta muito batido. Seu medíocre, isso medíocre, é só ficar por uns dias fora de casa que já está à procura de um rabo de saia.

Veio pensando mil palavrões para falar mal. Não sabia o porquê, mas queria fazer isso, ela sempre arranjava um motivo.

Lucio estava sentado num banquinho, tomando um guaraná. Não teve coragem de agarrar nenhuma menina. Esteve o tempo todo pensando em Maria. Lembrando de todos os detalhes de seu corpo. Seus cabelos, seus dentes perfeitos, seus olhos, a unha encravada no dedo direito, a verruga que estava nascendo atrás da orelha esquerda. Todas que passavam lembrava Maria.

Ela, só pensava em batê-lo, achar motivos e mais motivos para discutirem. Só que não conseguia. Chegou ao baile e foi direto à procura dele.

- Não posso esquecer de chamá-lo de medíocre, cachorro, idiota.. Meu amor que saudade eu estava de você – disse ela abraçando-o e beijando-o.

Ele ficou surpreso ao vê-la, mas muito feliz. Lascou-lhe um beijo apaixonado que para ele e para ela duraram mais de uma hora. Para os outros, nem perceberam.

Voltaram para casa, chamando cada um de apelidos da época de namorados.

- Meu Xodozinho!

- Meu doce-de-coco

- Minha estrela guia.

E assim foi até chegarem em casa. Lucio e Maria se divertiram quase a noite toda. Depois foram tomar uma ducha. Foi a ducha mais longa que eles já tomaram, exceto a da lua-de-mel. Lucio saiu antes para preparar a mesa café. Maria saiu do banho e ao entrar no quarto, deu apenas uma olhada na cama. Lucio, que estava com a garrafa do café na mão, só ouviu uma xícara se espatifar na parede.

- Quantas vezes eu vou ter que dizer a você para não deixar toalhas molhadas em cima da cama?

Bom, o restante nem preciso contar...

Eduardo Costta
Enviado por Eduardo Costta em 07/04/2009
Reeditado em 08/04/2009
Código do texto: T1527829
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