A mendiga

Eu não sei quanto tempo eu ainda tenho, estou com medo, escuto e vejo coisas, não sei o que fazer, eles gritam, reclamam, falam dos seus problemas, seus medos, suas angustias, eu digo pra eles que eu não tenho culpa, mas eles são vários, existe uma mulher que sempre reclama, dos seus filhos, ela diz que eu tenho que parar de chorar, me dizem que eu tenho que trabalhar, não durmo há cinco dias, um homem grita de dor, reclama que suas pernas não param de sangrar, eu tampo os ouvidos, ponho o som no máximo e continuo a escutar, parece que vem de dentro de minha cabeça, estou com dor de cabeça, já tomei quatro comprimidos de paracetamol, não sei o que aquele mulher fez, preciso achar ela, isso começou quando eu me encontrei com aquela mendiga, ele precisa fazer isso parar, ''--eu não tenho nada haver com isso '', eu não encontro ela, as vezes nem sei se ela existe, ou se já existiu, ''eu prometo que eu não reclamo mais, eu prometo... Se é alguma lição eu já aprendi, eu não vou mais reclamar, chega..."

Foi domingo, eu tava nervoso, fazia muito calor, tinha muito trabalho atrasado, agora nem trabalho eu tenho, meu chefe estava me cobrando, enquanto todo mundo estava na praia, ou em algum shopping lotado cheio pobres vendo vitrines e vitrines, esta eu trancado num escritório, redigindo relatórios e relatórios, pra subir tive de ir de escadas, o elevador estava desligado, contenção de despesas, o sindico desligava o elevador fim de semana, cento e quarenta degraus, eu contei, foram cento e quarenta degraus, sindico filha da puta, não havia ninguém a centenas de metros, o centro do rio estava deserto, já eram três horas da tarde, e eu fui procurar algum lugar aberto pra comer, como me arrependo de ter descido daquele prédio, eu havia olhado pro chão não havia ninguém na verdade ainda acho que não havia, foi quando virei a primeira esquina, foi questão de segundos quando vi eu já estava no chão, ela estava deitada encostada no chão, com as mãos sujas ela carregava uma boneca encardida feita de saco de batata, os olhos da boneca eram feitos de botoes, um botão de cada cor, ela devia ter uns quarenta anos, era gorda, mas não muito, ela não devia comer o suficiente pra isso, o corpo com a falta de comida acumula mais gordura, seu cabelo sujo e engordurado lhe cobria o rosto. As vozes aumentam ate hoje quando eu lembro dela.

-- Porra! Não vê por onde anda!

Foi quando explodi... como me arrependo...

-- Porra! Porra, porra é o caralho, você não tem mais o que fazer, isso é lugar de ficar deitada eu podia ter quebrado uma perna, vai deitar em outro lugar. Sai daqui!

-- Shiii... - Grunhiu a mendiga.

-- Eu sei quem você é, sei o que posso acabar...

-- Some daqui sua maluca!

-- Não me chama de maluca!

-- Maluca! - Não devia ter falado isso.

Depois disso tudo aconteceu muito rápido, nunca vi algo tão rápido, ela em segundos levantou e arrancou o botão da minha camisa, na verdade ela não levantou, ela simplismente apareceu em pé bem na minha frente, me empurrou com uma mão e sumiu, nisso eu cai e quando levantei, ela já não estava la, não havia ninguém. Só havia as vozes.

Hoje é sábado ou domingo novamente, já não sei que dia é hoje, escrevo de dentro do sanatório publico do Rio de janeiro, preciso achar aquela mulher ''EU NAO QUERO SABER DO SEU MARIDO, CALA A BOCA! '' .

-- ENFERMEIRA, VOCÊS PRECISAM ACHAR A MULHER QUE PÔS ESSAS VOZES NA MINHA CABEÇA, ELA EXISTE, OLHA A MARCA DA MÃO DELA NA MINHA CAMISA.

-- Meu senhor, pela milésima vez, não tem nenhuma marca nessa camisa. Ela esta limpa.