O ENIGMA DE JORGE

-Este aqui é um teu conterrâneo.

- Como assim?

- Conterrâneo, ué, conterrâneo. Do mesmo lugar que tu.

- União?

- União dos Palmares, Alagoas. Viu?

- E daí?

- Como, e daí? Não é tu quem diz que de lá nunca saiu nada que preste?

- E não saiu, mesmo. Disse e confirmo.

- Besteira. Isso é preconceito teu contra tu mesmo. Contra tu e tua gente, que ficou lá.

- Como é que chama esse livro?

- Ah, interessou?

- Tu não tá dizendo? Então, tô prestando atenção. Como é que chama o livro?

- “Calunga”.

- “Calunga”? Mas calunga é o nome que se dá a quem nasce em São Vicente. Tu não disse que o homem é alagoano?

- E é, alagoano, alagoano de União dos Palmares, ainda. E o livro tem esse nome, “Calunga”.

- Rapaz...

- Que foi? Assustou?

- E não é pra assustar? Um escritor, alagoano de União dos Palmares, como eu, e escreve um livro chamado “Calunga”, que é o nome que se dá a quem nasce em São Vicente, que é justamente o lugar onde eu moro desde vim do Norte. É muita coincidência.

- Pra tu ver.

- Será que é a minha história?

- Acho difícil. O homem morreu faz tempo, e o livro é bem velhinho, também, tá todo manchado. Tomara que não esteja faltando página nenhuma.

- Será que o moço vende?

- Deve vender, ué, isso aqui é uma banca que vende livros usados. Se está aqui, é porque está à venda.

- E será que é caro?

- É não. Aqui é tudo barato. Ainda mais este, todo manchado e cheio de orelhas. Veja aí na primeira folha, às vezes eles botam o preço. Tem?

- Não, aqui não tem. Vou perguntar.

- Gostou, né? Viu só? Pra quem dizia que da terra natal nunca saiu nada que preste...

- Ah, mas eu não sabia que existia esse homem aqui. E olha só, aqui diz que além de escritor ele foi médico, vereador, deputado... Será que também morou aqui em São Vicente?

- Aí não sei. Acho que não, aí já é demais. E outra, Calunga deve ser o nome do personagem.

- Será que eu vou gostar? Sei não, comprar um livro assim, sem nem ter lido um pedacinho...

- Deixa de história, rapaz! Leva logo o livro, pronto. E veja se muda esta idéia que tu faz do teu povo e do lugar que te viu nascer.

- Não, pera lá. Olha aí, não falei?

- Que que foi?

- Aqui diz que ele se candidatou duas vezes para ser aceito na Academia de Letras e não conseguiu. Viu? Eu não tinha razão?

- Razão de quê?

- Se fosse bom mesmo, que nem tu diz, tinham aceitado ele na Academia. Garanto que, se não fosse alagoano, tinha entrado. Ainda mais lá de União. Tinha entrado logo na primeira candidatura, não precisava nem da segunda...

- Leva o livro, rapaz, primeiro tu lê e depois tu tira tuas idéias. Vai perder uma oportunidade destas de começar a ler, ainda mais um sujeito desta qualidade?

- Que qualidade? Que qualidade? Um homem que escreve um livro e não consegue entrar numa Academia, boa coisa não deve ser. Porque o pessoal lá da Academia deve ser exigente, não é qualquer um que entra lá, não. Bora.

- Rapaz...

- Bora, bora. Qualquer hora destas a gente volta aqui no Centro e tu me leva numa banca boa, pra ver se eu compro um livro bom, mesmo. Mas tem que ser um livro que preste, hein? Um livro decente, de um escritor de verdade. De preferência, americano.

Benilson Toniolo
Enviado por Benilson Toniolo em 28/04/2009
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