O Pianista

Meu nome é Eduardo Fontes, tenho vinte e três anos, e devido a natureza peculiar de meu comportamento e hábitos diários, sou tido como louco, pelas poucas pessoas com as quais convivo ou melhor dizendo, os empregados que mantém tudo neste casarão funcionando de forma adequada.

Sei disso pelas conversas que ouço frequentemente entre eles, e pelo modo como me olham quando acidentalmente nos encontramos em algum corredor. Posso ver nitidamente a desconfiança e a repulsa em seus olhos.

Isso porém, pouco me importa. O motivo pelo qual estou registrando tais fatos, é que sinto a proximidade da morte, que em pouco tempo, arrebatará minha alma e jogará meu nome no esquecimento.

A últimas vez que deixei oo conforto e a familiaridade de meu lar em direção as ruas frias de São Petesburgo, foi por motivos de saúde.

Estava a quase três meses com dores de cabeça, tonturas e outros tantos sintomas que evidenciavam que havia algo errado comigo, sintomas estes, que vieram a se agravar de modo assustadoramente rápido naquelas últimas semanas, afastando-me cada vez mais e mais de meu piano.

Após uma semana, o diagnóstico ficou pronto e pude constatar que tenho um tumor no cérebro. Não sei por quanto tempo vou poder lutar contra isso, mas segundo meu médico de confiança, minha expectativa de vida é de dois meses, no máximo.

Eu tenho câncer em estado terminal. Não tenho a menor intenção de lutar contra isso e me arrastar agonizando por mais não sei quanto meses. Prefiro manter a minha dignidade até o fim.

Vou levar a cabo a tarefa que determinei para mim mesmo, a tanto tempo, quando ainda era adolescente.

Já faz sete anos que perdi meus pais. Eles morreram em um acidente de carro, e fui deixado sob a responsabilidade de meu mordomo, Alexandre, até completar dezoito anos.

Meu pai era um bom homem, e embora o amasse, tinha menos afinidade com ele do que com minha mãe, talvez até por conta das longas viajens de negócios quo o separavam constantemente de nós.

Mamãe, lembro com saudade dela. Era uma mulher incrível. Gentil, feliz, humilde, soberba em sua simplicidade.

Costumava passar as tardes ouvindo-a tocar Heloise no piano. A maestria com a qual suas delicadas mãos percorriam o teclado, coordenando cada nota, cada som, com tamanha voluptuosidade e desinvoltura, era admirável.

Mal podia conter a minha emoção diante de tamanha beleza. Pedia bis, uma, duas, quatro vezes, e ela pacientemente, atendia as minhas súplicas.

Mesmo antes do destino tê-la tirado de mim, já havia tomado uma decisão. Tornar-me-ia um pianista e tocaria aquela mesma música, naquele velho piano, tão bem quanto ela.

Esse é meu objetivo. É tudo que importa para mim. Não vou descansar enquanto não atingi-lo.

Por esse motivo tenho tomado os medicamentosque amenizam os sintomas de minha doença, passando a me dedicar, única e exclusivamente, a mais bela das artes, a música, que alimenta a alma e supre as carências do coração.

Tenho tentado igualar minha mãe a sete longos anos, Venho tocando Heloise repetidamente, diversas e diversas vezes, até a exaustão, parando apenas para para dormir algumas poucas horas e cuidar das nessecidadesbásicas de meu corpo.

Só Deus sabe o que eu não daria para ouvir apenas mais uma vez, o tesouro sonoro que mamnae tirava dessas mesmas teclas, desse velho piano de ébano.

Sinto que a cada dia, estou mais próximo de minha meta. A cada nota tocada, a cada onda sonora que faço com que se propague no ar,

posso sentir cada vez mais, a semelhança com a sinfonia que tanto mr fascinava na infância.

Entretanto, ainda há muito a se fazer, e disponho de muito pouco tempo para isso, de modo que encerro aqui, este pequeno relato sobre minha vida.

Despeço-me de você, que está lendo esse texto, com um único pedido. Não lembre de mim com piedade, pois tenha a certeza de que eu vou tocar Heloise, ao menos uma vez, como minha falecida mãe. Entãoterei alcançado a plenitude, e poderei em fim, descancar em paz.