Acordei tarde e tive outro pesadelo.

Acordei tarde e tive outro pesadelo. As ruas passavam por mim como setas ao vento. Meia-noite, e a janela desse quarto de hotel parece querer me sufocar. Mas qual maior sufoco que a fumaça dos carros pela janela. Fechada, ela fica melhor fechada. A luz da cidade não me deixa dormir direito, tive outro pesadelo. As ruas estavam exatamente onde deviam estar. Paradas. Meia hora, meia hora apenas. Água, suco, cerveja. O que tem no frigobar não me dá mais sono. E sono é muito que eu sinto. Buzina, carro, caminhão. A cidade não pára, e eu não durmo. Tive outro pesadelo. As ruas me engoliam. É só fechar os olhos e dormir. Algum dia foi fácil assim. Quem sabe volte a ser fácil assim. Tive outro pesadelo. As ruas não me levavam onde queria ir. Maldito sono. Ligo a tevê. Se valesse a pena aquele velho filme velho de tempos mais velhos do que eu. Mentira, apenas o vira muitas vezes. Tive outro pesadelo. As ruas ficaram silenciosas. Raiva. Poderia informar ao mundo que não consigo dormir. Muita gente sem dormir. Muita gente dormindo. Tive outro pesadelo. As ruas eram tortas. Chuva. Talvez o sereno barulho me ajude a dormir. Trovão, força. Queria dormir como antes. Me deito na cama. Tive outro pesadelo. As ruas viraram canais. Já está amanhecendo e ainda não dormi direito. Se quer será que dormi? O mar cresce. Uma onda enorme se choca contra o vidro. Estilhaços e tromba. Caio no chão molhado e percebo. Tive outro pesadelo. As ruas entraram pela janela. Desisto, não durmo mais. Tive outro pesadelo. As ruas ficaram distantes. Quero dormir, preciso dormir. Vou enlouquecer. Maldito ar gelado, maldita coberta quente. Nada me relaxa. Sol, amanhecer, acordado. Seria uma imagem linda se não fosse um alerta. Um novo dia chegou e eu não dormi. Sei que passarei o dia com sono. Talvez adormeça em algum banco. Desligo o despertador antes de ele tocar. Odeio não dormir...