Além do tempo

E a floresta está em chamas. Todos os animais correm de um lado para outro na tentativa malograda de se livrar do fogo ardente. Eu não sei o que fazer, de mãos dadas com Lola minha eterna companheira, saltitamos tétricos e desenfreados. Nosso lar é destruído, não podemos agir em nada. Apenas continuar saltitando na busca da utópica salvação.

Eu e Lola somos dois sapos. Nascemos e crescemos aqui neste lugar que hoje parece morrer conosco. Agora, percorrendo essas trilhas, a memória traz para minha mente os bons momentos que estive aqui.

Lembro-me que durante as tardes de verão, eu e Lola ficávamos na beira da lagoa observando nossas faces refletidas no espelho d’água. Fazíamos disputas para ver quem imitava a careta mais medonha e, eu sempre me via como o vencedor, porque Lola era muito bonita, a sapinha mais almejada de todo o brejo.

Mas, agora estamos aqui, lutando em nome da vida. A morte não me aflige, no entanto, ver Lola úmida de suor por causa do fogaréu que consome o nosso ambiente dilacera meu coração.

Não vamos suportar por muito tempo. O que nos resta é morrer com honras. Mas será que isso é válido? Daqui alguns minutos ou horas, eu e Lola seremos apenas passado e nada mais.

Daria a vida para salvar minha amada. Tropeço entre os galhos que caem das árvores. Minha pata dianteira esquerda está ferida, sangra muito, estou perdendo sangue. Não me entrego, o líquido vermelho que escorre de dentro de mim é sinal dos meus últimos instantes de fôlego.

-Vamos mais rápido - Grita Lola desesperadamente.

- Estou tentando... Estou tentando!Vamos para o precipício, lá é nossa única saída.

Tempos depois, chegamos a nossa encruzilhada. Diante de nós o precipício. O que podíamos fazer? Atrás de nós o impagável fogo engolia tudo que estava a sua frente. Temos de pular...

Lola olha para mim, estamos parados esquadrinhando para o abismo que nos chama. No alto o céu não exibe estrelas nem a Lua. Suspiro, eu e Lola não temos alternativa, Deus não descerá do paraíso para nos colocar na arca de Noé. A realidade oprime nossos sonhos e angústia aprisiona todos os nossos desejos. Aqui, eu e Lola, dois sapinhos que apenas acreditávamos naquilo que nunca acreditamos -a vida eterna.

- Você quer pular? – Pergunta-me Lola aflita.

- Se nós pudéssemos voar... Lola.

- Nós não temos tanto tempo para pensarmos... O fogaréu está se aproximando.

- Ah, Lola! E, se nós pudéssemos voar... Segure em mim, feche seus olhos. Vou contar até três,em seguida pularemos para o abismo. Se acreditarmos, poderemos voar. Mas, se não acreditarmos morreremos como todos os seres mortais.

- A gravidade nos entregará para morte.

- Vamos tentar acreditar, Lola. Nem que seja nesta noite, vamos, tente acreditar.

Cerramos nossos olhos e juntos, Lola e eu pulamos em direção ao abismo. Não enxergamos nada e o sopro de uma ventania ecoa feroz em nossos ouvidos. Nossos pés não sentem absolutamente nada, no entanto, nossos corpos ganham força, ânimo e leveza.

E, o vento que antes causava um zunido perturbador, agora nos leva em direção ao horizonte. Debaixo dos nossos pés o brilho dourado das chamas que matam a floresta que um dia foi minha e de Lola vai ficando cada vez mais para trás. O pesadelo da morte iminente vai se desfazendo com a chegada de gigantes nuvens ruborizadas que derramam na terra dominada pelo fogo, gotas da casa de Deus.

- Vai chover – Diz Lola sorrindo para mim.

- Sim, Lola!!

De repente, sinto em minha face o toque gélido da chuva que amacia minha alma e alegra meu coração.

Creio que os animais agonizantes com o calor das chamas , agora vibram, choram, correm atônitos e contentes com as gotículas inesperadas que caem do céu.

Lola e eu continuamos voando. Não sabemos exatamente para que espaço vamos. O futuro não nos interessa...Apenas queremos continuar juntos, sonhando e vivendo além do mundo, do tempo e de toda morte.

Mayanna Davila Velame
Enviado por Mayanna Davila Velame em 23/05/2009
Código do texto: T1611118
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