As fantásticas rodas de silicone.
 
 
A vida estava difícil e Joel não sabia mais o que fazer. Precisava achar um meio de ganhar mais dinheiro, de aumentar a sua renda. Mas como? Ele ia sentado lá no último banco do ônibus, quando houve um barulho, um solavanco, uma guinada, uma freada
que mal conseguia segurar o veículo. Um pneu havia estourado.
 
Na pequena oficina, nos fundos de sua casa, ele estudava o texto que imprimira para ter por perto, enquanto organizava os pensamentos. Assim estava na Wikipédia: silicones são compostos quimicamente inertes, inodoros, insípidos e incolores, resistentes à decomposição pelo calor (...). Podem ser sintetizados em grande variedade de formas com inúmeras aplicações práticas (...) Derivado do cristal de rocha quartzo, é considerado produto inorgânico; devido a isto, tem como uma de suas principais características, a vida útil mínima de 10 anos. Os silicones são altamente resistentes ao ultra-violeta e intemperismos (...) altas ou baixas temperaturas ambientes (em geral de -45 a +145°C). (...) Podem variar de consistência líquida a de gel, borracha (...)
 
Quando sua filha, Caticha, entrou na oficina, Joel estava absorvido em profunda concentração. Pensava nos elementos principais que dariam suporte ao que pretendia inventar, a solução para o futuro da família, Cleusa e o casal de filhos, Caticha e Serginho. Ele via no silicone a solução para o seu bolso e para o desconforto das pessoas, toda vez que furava um pneu. Nas ruas, nas estradas, nos lugares desertos, nos lugares sem socorro, nos aviões; em todos os tipos de veículos. Como ninguém pensou nisso antes? Nada de cheiro de borracha queimada, quando nas descidas, os caminhões pesados precisam frear muito; menor poluição também; nenhuma família parada no acostamento, correndo o risco de ser atropelada, enquanto o pneu era trocado; poderia ser usado nos trópicos e nos pólos... Uma duração de dez anos! Quanta economia! Se os pneus sem câmara já representavam um grande avanço, que dizer das rodas de silicone, compactas, que ele estava projetando. Representariam segurança para dirigir na chuva, sem aquaplanagem... Sim porque o produto final que ele imaginava seria capaz de aderir ao solo, sem interferência da camada hídrica. E para as corridas de fórmula 1? Sem aquela ansiedade de parada nos boxes para a troca de pneus, pondo em risco uma vitória. Fato é que alguns perderiam seus empregos, mas quanto a isso ele não poderia fazer nada. A vida estava dura para todos...
 
Joel sonhava com o dinheiro entrando... Mesmo contra os interesses das multinacionais, iria registrar sua patente. O futuro estava garantido. Todos usariam as suas fantásticas rodas de silicone.
 
Caticha ficou sentada, quietinha, brincando com alguns pedaços de madeira que havia encontrado. De vez em quando olhava para o pai absorto entre papéis e ferramentas; fios e metais; moldes de madeira ainda inacabados e alguns latões dos quais ele retirava um líquido transparente. Ninguém sabe quanto tempo se passou enquanto cada mente estava absorta no seu próprio mundo de interesses.
 
De repente, Caticha viu um ratinho passar correndo. Ela não era medrosa, mas não conseguiu evitar.
 
-Papai! Gritou. Um rato!
 
Naquele instante, com todo cuidado, Joel estava lidando com alguns fios, ajustava uma ligação para uma das máquinas que iria utilizar. Com o grito da filha descuidou-se e levou um choque, uma chicotada tão forte que o jogou longe.
 
Sua recuperação foi lenta, mas ele escapou com vida.
 
Uma semana depois, entrou na oficina para atender a um pedido de Cleusa:
 
-Joel, você não vai voltar ao seu trabalho? Eu não mexi em nada depois do acidente; deixei pra você...
 
Olhou para toda aquela bagunça de materiais, juntou tudo, colocou numa caixa e levou até o jardim. Não sabia por que gastava tanto dinheiro em coisas inúteis.