UMA LÁGRIMA - CAP. 7

A idéia de dois corpos ocuparem o mesmo espaço ainda parecia absurda para ela. Ia contra as leis da Física que ela tanto estudava. Mas talvez houvesse algo a mais. Algo maior, algo que somente a força que o acaso lhe impunha poderia ser responsável.

Ele, já não acreditava nesse destino, o acaso era um mero companheiro. Custava a acreditar no tal destino desde que seu pai faleceu. Não tinha afeto pelo pai, e nem ele o mesmo. E por mais que lhe faltasse esse amor, esse contato, cresceu sentindo falta de algo, todas as suas músicas jogadas fora falavam disso. Não necessariamente do pai, mas da falta que lhe fazia a sua figura.

Sua mãe demorou para que começasse a namorar de novo . Ele nunca aprovou nenhum dos candidatos ao posto do pai. A adolescência talvez o confundisse mas sua mãe cansou de insistir e conformou-se com a solidão

Fabiana colocava o travesseiro sobre a cabeça para não ouvir os gritos dos pais enquanto discutiam desde pequena. Adormecia assim, sufocada pela mentira que viveria no dia seguinte vendo os dois fingindo ser um casal feliz. Sonhava mais um dia com os balões, com as estrelas, sonhava agora com a sua iminente partida.

O alarme tocava nas duas casas, era mais uma segunda-feira. Ela não parecia se importar em levantar tão cedo e nem ele, que já estava acordado antes mesmo do relógio bater as seis horas. Estava inquieto, pensando no que o acaso teria reservado para ele.

Ambos seguiam sua rotina, não dando nenhum tipo de sinal do que estavam esperando.

Ela nem disfarçava o sorriso e o sorriso já lhe era natural, não dava para notar a diferença.

Ele acariciou o gato. O gato não parecia estar lá, estava inerte, tinha emagrecido. Seu olhar continuava fixo e ninguém parecia notar. As vezes miava, em um tom desconhecido entre os gatos e continuava lá.

Ela não tinha gato, nem cachorro, tinha um peixe que nem era dela na verdade. O peixe era da mãe, e chamava-se Tião, curiosamente, o nome do primeiro namorado da mãe. O pai desconfiava sempre da mãe e o adultério era tema frequente das discussões entre eles. Fabiana nunca gostou do Tião e acreditava que o pai é quem tinha um caso com a secretária.

Terminados os rituais matinais das casas, os dois diriam-se à escola como sempre faziam. Ele, empolgado. Ela, receosa. "Um estranho, beijei um estranho que diz que me ama e se ele for um louco? Psicopata?!" ela não parava de pensar no último encontro entre eles.

Naquela manhã, talkvez por estar com a cabeça em outro lugar, e o lugar era à sua frente como gostava de pensar, o rapaz não percebeu as sombras que se aproximavam de trás dele. Ela também não fazia idéia do que ocorreria e nem tinha como saber, nem sabia nada sobre ele. Sabia que se chamava Augusto, que era estranho e amava ela, ou pensava que amava.

Momentos antes de chegar no quarteirão da escola, Augusto foi abordado por quatro rapazes mais velhos, espancado e violentado.

Não chegou a entrar na escola nesse dia, ficou sozinho, como sempre fazia quando isso ocorria. Ficou sentado num banco, e foi tomado novamente pelos pensamentos nocivos e sombrios. Era frio de novo, Não queria falar com ninguém.

Ela estranhou sua ausência, fofocou com as amigas, comeu seu lanche de salmão e acertou todos os exercícios de trigonometria. Resolveu não aumentar suas expectativas com o rapaz. Foi saindo da escola com sua pose como sempre fez e notou uma silhueta conhecida lá longe. Era ele! Resolveu ir até lá. Ele estava rancoroso, quieto, e imóvel, como o gato. Ela falava com ele, ele não ouvia nada, ele era uma rocha.

Ela enfureceu-se, não perdeu a pose e foi embora como sempre fez. E não pensou mais nele, como nunca fez.

Contou ao pai sobre o dia na escola, e sorridente despediu-se dele como sempre fazia, como a bonequinha que ele tanto amava.

Deitou na cama, pensou no Augusto, pensou melhor. Pensou nos logarítimos que lhe confundiam a cabeça e logo não quis mais voar.

Acomodou-se na cama, beijou o sapo de pelúcia e quis acordar num dia ensolarado, que iluminasse mais que o sorriso falso que dominava o quarto.

Ricardo R
Enviado por Ricardo R em 24/05/2009
Reeditado em 01/06/2009
Código do texto: T1611993
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