O mundo acabará amanhã de manhã.

Eu sempre fui uma pessoa comum, daquelas que vivem de rotina – o que não é tão ruim assim. Acordo às cinco da manhã, pego meu jornal na porta, tomo café da manhã – pão integral e café sem cafeína -, nado no clube próximo a minha casa e vou trabalhar no meu carro ambientalmente correto, movido a “biodiesel”. Passo por volta de seis horas no trabalho, e no fim da tarde sempre ia ao bar de meu amigo de infância, apesar de não beber, ia mais pela companhia, pela conversa, o cara é boa gente.

Tudo isso mudou quando acordei como um dia qualquer e pequei o jornal na minha porta e lá estava estampada a noticia: O MUNDO ACABARA AMANHÃ DE MANHÃ! Não podia ser verdade, eu só teria mais um dia de vida! Observei a janela de meu apartamento, o céu nunca esteve tão escuro como hoje. Comecei a acreditar…

Vou visitar minha mãe, mas antes vou ligar… “Alô, mamãe!”. “Oi, não estou em casa no momento, o mundo vai acabar amanhã de manhã e resolvi comprar tudo que sempre quis no cartão de meu filho, então se tinha algo a me dizer, diga após o ‘bip’ e se o mundo não acabar eu retorno… rsrs. Bip!”. Ah! Deixa pra lá. Afinal mãe só serve pra por a gente no mundo mesmo.

Decidi ir trabalhar, então pensei: “Trabalhar! Ah meu Deus, como seu sou idiota, menos de vinte quatro horas para o fim do mundo e eu penso em engordar a conta bancária do meu chefe, que engorda a do banco, a dos políticos, engorda novamente a do banco e por fim, engorda o meu chefe… Sou bancário. Eu não vou mais fazer parte desse maldito circulo de vícios, não hoje. Não vou trabalhar, irei ver o mar”.

O mar? É até poético, romântico, mas eu nunca gostei de ver o mar, sempre que olhava para ele pensava que viria uma onda gigante e destruiria tudo, me chamei de pessimista pela primeira vez, mas não quero ser o primeiro a morrer. Sentei-me no sofá novamente e voltei a pensar.

Não irei ver o mar, vou ver a Mariana… “Alô, Mariana… Mariana… Mariana!”. “Este telefone se encontra fora de área ou desligado… tu… tu… tu…”. Maldito telefone celular, um tecnologia capaz de encontrar qualquer pessoa no mundo em um segundo, mas se ela quiser é claro. Tomei as chaves do carro, vou à casa de Mariana, saber o que esta acontecendo.

Primeira surpresa, um congestionamento! O mundo acaba amanhã e as pessoas querem sair de casa, ótimo, mas no carro? Fugir pra onde? Pra casa de campo em Ubatuba? Modernidade… Estou começando a rever meus conceitos, acho que Deus está querendo pregar uma peça em nós. Sai do carro e fui a pé, mas ecológico do que usar o tal “biodiesel”.

Mariana mora numa casa, em um bairro próximo daqui. Quando eu estava dobrando a esquina de sua casa, notei uma fila. “Fila, logo hoje?”. O homem é engraçado, a maneira mais democrática de se viver é a “fila”. Pensa bem, tem a fila da comida, do salário, dos transplantes, do atendimento médico, da morte… Chame do que você quiser, mas acredito que eu e você perdemos um terço de nossas vidas, em malditas “filas”! Não custa nada perguntar o porquê de mais essa:

- Com licença, amigo.

- Pois não cidadão. – ele me respondeu e eu muito curioso perguntei - Pra quê essa fila mesmo?

- Estamos esperando a nossa vez de falar com a mulher da nossa vida… - então me assustei.

- Espera, mas quem mora nessa casa é a minha namorada, a Mariana!

- Que coincidência, ela é a minha também… – outro se intrometeu na conversa…

Foi no ultimo dia da minha vida e do mundo, que constatei como o mundo é pequeno. Existem mais de seis bilhões de pessoas nesse mundo. E Mariana, minha namorada, resolveu me trair com a metade disso… Que se dane! Não tenho nem como saber se trai ou fui traído.

Já estava anoitecendo e eu ainda estava andando sem rumo pelas ruas desertas da cidade; Pensei em tantas coisas que gostaria de fazer, mas nada servia. Saltar de pára-quedas? O clube estava fechado. Jogar na mega-sena? Não teria sorteio e além do mais o que faria com o dinheiro? Daria aos pobres, com certeza. Correr pelado na rua? Já tinham outros fazendo isso. Dizer a minha vizinha do lado quanto eu sinto excitação à vela passeando pelos corredores de baby-doll? Ela se assumiu lésbica. Tentei até me confessar, mas o jovem padre não estava na igreja, ele abandonou o sacerdócio e se casou com uma atriz pornô, vinte anos mais velha do que ele… Tentei encontrar aquela amiga de escola que eu perdi a virgindade, mas estava no cabeleireiro, queria morrer de penteado bonito. Minha professora do colegial por quem eu tive uma paixão platônica? Suicidou-se, afirmando na carta de despedida que “nunca foi feliz”. Sem opção pensei em ligar pro presidente, ele poderia dizer algo: “Alô! É o presidente do…”, “Este é o serviço de tira duvidas do executivo. Em minutos você poderá falar com um de nossos atendentes, mas antes responda nossa “enquete da semana”: Onde o governo deve investir mais o seu…”. No pé! Excelentíssimo senhor Presidente, no seu pé!

Chamei-me de pessimista pela segunda vez. Percebi então que o homem não possui nada, porque em ultima estância tudo lhe escapa. Não possui família, pois são relações baseadas em “obrigações falseadas”. Não possui amor, são meras “convenções sociais”, não possui emprego, apenas gera “lucro para outros”, em “dividas que nunca serão pagas”, que não há felicidade… Mas por quê? Não! Filosofia não vai me ajudar agora, se ela fosse útil o mundo seria um lugar melhor, não surgiriam “Alexandres”, “Napoleões”, “Hitlers” e “Bushs” da vida, acabando com o que é “ser humano”. Conclusão, meu amigo é que… Eu sei a resposta!

Era madrugada e o bar ainda estava aberto, movimento normal. Meu grande amigo estava no balcão, lavando copos:

- E então vai querer água com gás, novamente? – me perguntou.

- Não. Quero um uísque.

- O que deu em você para querer beber?

- Nada de especial, só que o mundo acabara amanhã de manhã e eu percebi que não vivi.

- Dose dupla pra você. Essa é por conta da casa.

Macilio Oliveira
Enviado por Macilio Oliveira em 27/05/2009
Reeditado em 03/07/2012
Código do texto: T1617921
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