O MENINO PEQUENO QUE PENSAVA GRANDE

Du, chamemo-lo assim, era um menino pobre. Vivia no subúrbio paulista com seus pais e três irmãos mais novos do que ele. Filho de uma família desestruturada, como muitas, infelizmente. No momento desta minha narrativa, ele tinha seis anos de idade. Por falar em desestrutura, pensemos em um pai alcoólatra, uma mãe doente, um barraco furado por onde os sonhos de todos se esvaiam.

De todos, menos os sonhos de Du. A esses ele preservava. À noite, de sua caminha no chão, ele podia ver a rua e quem nela passava. Via o pai chegar trocando as pernas de bêbado, via o vizinho na mesma situação. Via o transeunte chorando e pensando não estar sendo visto, via a mulher que fugia da fúria do marido, arrastando um filho pela mão e levando outro na barriga.Tudo desfilava ante os seus olhinhos antes que pegasse no sono.

Mas, Du também via o clarão da lua, do teto furado via as estrelas e pensava que para Deus não existia distinção. A lua jorrava seus raios luminosos naquela humilde favela, como os distribuía por sobre palacetes e edifícios de luxo.

Daqui eu posso respirar, ele pensava, o ar é feito para todos, não há distinção de raça e cor. Viver é direito, sonhar também...

Pela televisão, adquirida pelo pai, em tempos melhores, ele acompanhava a violência que não escolhia classe social, que existia além do gueto em que vivia e entendia que o sofrimento é feito para todos.

E foi crescendo, procurando minimizar o seu sofrimento e otimizar as suas esperanças...

Era só ele crescer um pouquinho, quando a sua cabeça melhor pensasse, poderia conversar com a mãe, dar-lhe o amparo que ela precisava. Haveria de dividir com ela as suas expectativas. Tá certo que ele não sabia o que significava muitas palavras,mas tinha um sentido apurado para os fatos que se desenvolviam no seu entorno.

Assim que os seus braços puderam carregar um engraxate, dividiu a tarefa com um colega que já o possuía. Não tardou ele tinha a sua própria ferramenta de trabalho.

Na escola ele aprendia muito. Aprendia higiene, aprendia bons modos. Aprendia a sorrir, a ler e a escrever. Com seu pouco dinheiro, comprou escova de dentes para todos e procurou ensiná-los o correto manuseio. Na escola tratava de seus dentes e pediu à professora que deixasse os seus familiares frequentarem o dentista da escola. É claro que ouviu uma negativa, no entanto, foi-lhe passado que no posto de saúde da comunidade, as pessoas podiam obter esse favorecimento. Logo percebeu que o dentista do posto só podia arrancar os dentes estragados. Muito penalizado, mas ainda satisfeito, começou a guardar um pouco do seu dinheirinho, para tentar modificar esse estado de coisas.

O dinheiro que o pai levava para casa mal dava para comprar comida. Du,comprou, assim que pode, xampus, sabonetes e perfume para todos. Conseguiu ajudar na faxina de um restaurante próximo ao seu ponto de engraxate e em contrapartida ganhava comida, boa comida, para os seus, diariamente.

O pai começou a ver mudarem as coisas em sua casa. Sua mulher estava mais cheirosa com os cabelos limpos e brilhantes. Sua casa estava mais arrumados eos filhos mais bonitos com os seus sorrisos brancos e asseados. A mulher já não brigava com ele, não respondia aos seus insultos e até o conduzia, bêbado, para a cama com carinho, cobrindo-o com o cobertor surrado.

Ele, o pai, que nada via, percebeu o pão com margarina e café todos os dias sobre a mesa. Não havia menino chorando e mulher de cara amarrada. E ele viu que o filho, ainda pequeno e franzino fazia muito e lhe ensinava muito. O parco dinheiro do pai começou a fartura. Sobrou até para uma boa televisão e um som. Antes, tapou ele mesmo os buracos da tapera. Pintou a casa de azul, o seu espírito mudou, a sua vida começava a mudar também. Fez um puxadinho, nele um quarto e entendeu o que é a privacidade. Ali, ele ficava em paz e aprendeu a fazer amor ao invés de um sexo apressado e sem qualidade, "para não acordar os meninos".

Du, comprou caminhas, ganhou colchões. Comprou vasilhames e devagar, foi mudando a cozinha. A mãe feliz, o pai quase não bebia mais. A mãe já não teve mais filhos, mas se dedicava àqueles que Deus lhe houvera confiado.

O menino iluminado por Deus sabia o que era droga ilícita e lícita, optou por ficar longe de todas. Não lhe atraia vender drogas, muitos amigos seus acabaram mortos, jogados em valas e com a boca cheia de formigas.

Du preocupava-se com os irmãos. Queria dar bons exemplos e os dava seguidamente. Com o passar do tempo, já com segundo grau e trabalhando fora do gueto, propôs ao pai mudarem-se para outra cidade. Iriam para o interior de São Paulo. O pai já confiava no filho que, afinal de contas, foi o seu lume. Mudaram-se.

O menino que pensava grande conseguiu livrar-se e livrar os seus de muitos descaminhos. Essa é a história de Du e proverá Deus que venha a ser a história de muitos e muitos outros meninos.