QUEBRA-CABEÇA (14/06/09 => +/-3:00 ~ 4:17)

— Mamãe, vem brincar comigo!

— Agora não, menino. Estou trabalhando.

— Por que você tá trabalhando?

— Porque se eu não trabalhar, você morre de fome.

— Por que eu morro de fome? Padre Godofredo falou que Deus é o nosso alimento espiritual, e que ele tá em todo lugar. Então, se eu respirar, eu engulo Deus pelo nariz e não fico com fome.

— Ah, não enche.

— Manhêê...

— Ave Maria!

— Eu não tô conseguindo montar o quebra-cabeça aqui, me ajuda?

— E quem faz o seu almoço... Deus?

— Ué, tudo que a gente pede Ele não atende? Então, é só eu pedir um almoço gostoso que Ele faz lá na cozinha dele. Se Ele pode fazer tudo de uma vez só, claro que Ele não vai se importar de fazer meu almoço também. É uma coisa tão fácil! E só se eu ficar com fome que eu vou pedir almoço pra Ele porque a tia Perpétua falou que menino que come demais fica com barriga que nem de grávida. Você consegue me carregar se eu ficar com barriga de grávida?

— Não sei, Betinho. Brinca aí quietinho, brinca.

— Mas eu não tô sabendo montar o quebra-cabeça, como eu vou brincar sozinho?

— Vai tentando que você acha a peça certa.

— Ontem, lá na escola, a diretora falou com a tia Matildes que a vida é um jogo. Quebra-cabeça também não é jogo?

— É.

— Então, a vida é quebra-cabeça?

— Deve ser, Betinho. Sei lá.

— E cadê as peças da vida?

— Ah, procura que você deve achar...

— Mas além de quebra-cabeça, é esconderijo?

— A gente não tem que procurar cada peça certinha pra encaixar?

— É.

— Então, pra montar um quebra-cabeça, a gente sempre tem que decidir o que fazer. E quebra a cara toda hora. Por isso, chama quebra-cabeça.

— Porque a cara tá na cabeça, num é?

— Sim, Betinho...

— E a vida é quebra-cabeça porque a cara da gente quebra toda hora?

— É, toda hora a gente se decepciona.

— E quem passa cola na nossa cara quando ela quebra?

— Não sei, Betinho. Deve ser Deus, você não falou que Ele faz tudo? Deve ter um vidro de cola lá com Ele...

— Mas fica feio?

— Feio o quê?

— A cara colada. Imagina eu com barriga de grávida e cara colada. Eu peço muito almoço pra Deus, fico com barrigão de tanto comer. Aí, quebro a cara e Ele cola. Será que eu fico bonito ou feio?

— Felizbertôôô, não falei pra você montar o quebra-cabeça caladinho? Me deixa quieta um pouco. Não me deixa trinta segundos em paz, credo!

— Mas, ô dona Meirenalva. Eu não tô sabendo fazer o quebra-cabeça.

— Fazer, não. É montar que fala.

— Então, eu não tô sabendo montar. O quebra-cabeça da vida também é difícil?

— Ave Maria, e como!

— Aqui na mesa, toda hora eu tenho que voltar com uma peça que eu acho que é a certa. Na vida, eu também tenho que ficar tentando toda hora?

— Sim. Viver é tentar toda hora, quebrar a cara muitas vezes e continuar levando assim mesmo.

— Mas tentar toda hora não enjoa?

— Deve enjoar, não sei. Pergunta pra Deus. Agora, toma. Come sua comida e me dá sossego. E não vem falar de boca cheia que você apanha. Finalmente, alguns minutos de descanso...

LEONARDO HORTMANN
Enviado por LEONARDO HORTMANN em 15/06/2009
Reeditado em 09/07/2017
Código do texto: T1650211
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.