BOCA DE SIRI

Tio Pedro estava desconfiado de que o Tatá andava saltando a cerca do seu compadre que morava nas redondezas. Falar com ele, aconselhar ou mesmo alertar que já havia um bochicho danado não seria fácil, porque, apesar dos anos de convivência, não tinham aquela liberdade. Por sinal, com este negócio de sexo, família e outros assuntos mais delicados as pessoas não tinham a franqueza de hoje; era tudo muito secreto, fingimento horroroso, falsidade até debaixo d’água. Todos sabiam, mas ninguém sabia e segue o enterro...

Mas ele tinha de dar um jeito. Difícil acreditar, pois a tal mulher com a qual andava supostamente paquerando era feia de amargar e o compadre Tatá não era nenhuma pessoa assim tão necessitada. Afamado nos trecos de pular cerca e algumas mulheres, sabem como é, ficavam ouriçadas, principalmente se em casa a “merenda” andava meio escassa, racionada, baixa cotação, "dólar" despencando e ainda levava a vantagem de não ser nenhuma propaganda paga não, passava de boca em boca e isso fazia com que a mulherada ficasse entusiasmada, pagando.. Hehe, dando pra ver. Imperava aquela máxima de quem conta um conto aumenta um ponto e a cada versão, a cotação na bolsa o Tatá subia. Junto com mais utilitário que também subia, o negócio progredindo de vento em popa. Sucesso garantido.

Era bastante frequente o compadre sempre parar à beira da estrada, sentar-se naquele banco improvisado debaixo da saboneteira e ficar ali, ele e Tipedro, horas e horas num papo bom danado, puxando a fumacinha do cigarro de palha com o fumo que Tipedro fazia como ninguém. Papo dali, papo daqui e meu tio maquinando como fazer para puxar um assunto que desse trela para aquilo que ele estava ouriçado para saber. Sorte! Passa naquele instante um membro da família da tal mulher. Era gente muito feia e ele aproveitou para iniciar uma daquelas conversas de cerca Lourenço:

Gente danada de feia tem nessa família, né compadre Tatá? Falava e olhava de rabo de olho para observar a reação dele.

Acertou compadre!

Aquele que acabou de passar: coitado, ainda novo e todo curvado, feito bodoque. O nariz do infeliz tem parecença com catana de cortar cana. Se ele nascesse passarinho, tá visto! Seria tucano! Chulapa de nariz, não é compadre?

O Tatá até riu bastante, não só pelas palavras, mas também pela entonação que o Tipedro dava às frases. Mas ficou nisso, não deu sequência na conversa. Tio Pedro insistiu:

A comadre fulana é outra: se sair à noite com escuro dá até para assustar. Cruz, credo! Ele se referia à mulher com a qual o amigo supostamente estaria tendo um caso.

É compadre Pedro, mas dizem que essas mulheres feias têm de ser muito boa de cama. Mas, quer saber? Do pescoço para baixo todas são mais ou menos iguais e de noite, no escurinho nem se percebe, não é mesmo?

É compadre Tatá? Insistiu Tipedro.

Dizem compadre, dizem!

Huuum! Resmungou e não tocou mais no assunto. Tatá não caiu na armadilha. Mas ele não iria desistir. Era só questão de mais um tempinho e pronto.

Realmente não demorou muito e de novo os dois sentados no banquinho. Com uma varinha de bambu na mão direita, Tatá ficava rabiscando pra lá e pra cá um semicírculo na terra areenta. Tipedro ofereceu a ele um pouco de fumo, ele aceitou e retribuiu o presente com umas palhinhas de milho “xonadas” que ganhara do compadre chifrudo.

- Por falar nisso, compadre Tatá, fiquei sabendo quem é o sócio dele no negócio lá, sabe, né? É o pezão!

Quem é esse Pezão? Prontamente perguntou o Tatá, já um tanto preocupado de ter um sócio, estar sendo traído.

Não é o nome dele, não. É porque a marca do pé que ficou no terreiro é de gente de pé grande, compadre.

Imediatamente o Tatá espichou a perna e lascou:

Mas eu não tenho pé tão grande assim! Tenho compadre Pedro?

Era isso que eu queria saber! O trairão bocou na hora a isca que eu joguei. Por isso que você me disse que feia de cara, boa de vara; no escuro, coisa e tal, né?

Compadre Tatá ficou até meio desconcertado, encabulado. Olhou um tanto assustado para um lado e depois para o outro, certificando não existir alguém por perto:

Boca de siri, compadre! Boca de siri!

Ah! Tá visto!

Dbadini
Enviado por Dbadini em 17/06/2009
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