Ossoró do Agreste

Decidira voltar a sua terra natal. Havia mais de 20 anos não pisava naquele solo árido para rever seus pais e familiares, a saudade o consumia, não podia mais esperar o melhor momento que nunca chegava. Era agora ou nunca mais.

Comprou a passagem de ônibus, arrumou as malas, disse adeus para a namorada e embarcou nessa volta ao passado, um passado que o abandonara há tanto tempo que ele não entendia o que o fazia desejar tanto voltar para aquele lugar esquecido pelo Pai, pelo Filho e pelo Espírito Santo. Lembrado só pelo amém ouvido quando a chuva batia no barro quente donde só brotavam as sementes mais valentes. Só sabia que o aperto no peito cessaria ao desembarcar em Ossoró do Agreste. Dizem por aí que Ossoró nem no mapa está, mas no coração de seu Severino ela estava incrustada como espinho de palma nos pés descalços do menino nordestino que ele um dia foi, o menino que um dia sonhou em sair mundinho afora e descobrir o mundão de dentro. Ossoró era uma lembrança da sua alma faminta por horizontes mais largos, uma memória da sede por tudo que lhe era desconhecido e que desejava conhecer. Orossó do Agreste, sua terra natal.

Seriam dois dias e duas noites sacolejando dentro de um ônibus, comendo na beira das estradas poeirentas desse Brasil sem tamanho, vendo o céu salpicado de estrelas a reluzir a esperança de um reencontro feliz, revivendo as emoções de sua infância, de uma época marcada pela inocência, quando ainda montava em lombo de jegue e imitava Virgulino, herói maldito de um povo proscrito. Podia mesmo sentir o cheiro do óleo queimando, quando à noite seu pai acendia a lamparina e, sentado no toco do pau, picava pacientemente o fumo de rolo para pitar no seu cachimbo de barro, e exalar pelas narinas, tal qual o boi-da-cara-preta, fumaça e imaginação.

Lembrou também, entre uma lombada e outra, da dor que foi perder sua vó Taiguara, filha de índio com branco, na noite de seu aniversário de sete anos. Ali, naquele pequeno sítio, em que tantas estórias, com “e” mesmo, ele ouvira dela, a velha índia, como era conhecida, foi embora sem dar um pio, para junto de Santo Antônio como dissera certa feita que faria ao partir desta para melhor.

Viu de forma tão nítida, que pensou mesmo estar lá, os dias de campos verdes, em que açude cheio era sinônimo de vida farta e mergulhos refrescantes, completamente nu, sem pudor, sem nem mesmo saber o que era pudor.

Dois dias e duas noites, e então, no distar de um piscar d´olhos, Severino avistou Ossoró. O coração palpitava, a mão suava, o corpo tremia e a bunda teimava em não sentar. Não sabia se chorava ou se ria, lá estava a sua infância a dois palmos de distância. Ele, homem feito, nordestino de raiz, viu rolarem sem aviso pelo seu rosto duas lágrimas fugidias. Desembarcou, um pé após o outro, confiante e verdadeiramente realizado, pois de onde partiu ele quase tudo conquistou. Só não conquistou a saudade rebelde que teimava em arder em seu peito. Mas agora a saudade minguou, finalmente ele ia se reconciliar com Ossoró, seu chão, seu barro, seu passado...

CEVDM

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