PEQUENOS DESLIZES, GRANDES REFLEXÕES (MINI-CONTO)

Por quanto tempo eu fiquei em suspenso naquela angústia eu honestamente não sei. Apenas me pareceu mais do que eu realmente merecia por uma única atitude mundana. Afinal, quem nunca pecou? Alias, pecar parece ser um termo por demais extenso para julgar aquele... Aquele gesto inadequado.

Enfim, findo aquele martírio de tolo em que os sentimentos me afundaram, pude ver e estrada pedregosa em que me encontrava. _ Merda! Fui tudo que consegui pensar. Tive que rir (um risinho de soslaio, é bem verdade). Eu, um homem de relativa cultura, um homem de letras, só consegui pensar numa palavra suja para definir aquele momento da minha vida. Irônico. Eu que sempre almejei a simplicidade para expressar minhas idéias, emoções e convicções agora havia conseguido com um simples merda. Isso me soava medíocre.

Podia ver os olhares dirigindo-se para mim, alguns penalizados, outros de acusação, outros perplexos com a minha... A minha atitude. Ah, os olhares... São a parte mais difícil de suportar, a quantidade de coisas que um simples olhar transmite é impressionante. Um olhar pode determinar o rumo da história! Quantas guerras não foram ganhas com apenas um olhar de confiança do general lançada aos seus soldados?

Meu peito pesava, parecia que haviam estacionado uma carreta sobre ele. Eu queria sair dali correndo como um antílope fugindo de um guepardo, mas não podia. Certas convenções sociais não me permitiam abdicar do resto de sensatez e vergonha que me sobraram e bater asas. Não, eu tinha que ficar e encarar o desafio. Era isso que um grande homem deveria fazer. Mas que se dane! Quem disse que eu sou um grande homem, ou que fui um dia ou mesmo serei? Sou apenas um homem, e dos mais comuns, sem muitos acessórios, um homem popular, como os carros básicos que vemos rodar por aí todos os dias.

Por que algo tão tolo é capaz de arruinar a reputação de alguém, reputação construída ao longo dos anos, anos de trabalho duro. Não consigo entender. Somos criados dentro da ética judaico-cristã do perdão, mas quando chega a hora de sermos perdoados parece que as pessoas só conseguem se lembrar do código de Hammurabi. É tão injusto.

Mas não adiantava me lamuriar, eu deveria fazer alguma coisa. Tomei coragem e dirigi a palavra a todos que estavam à mesa de jantar:

_ Queiram perdoar, mas não tive como evitar. Patê de frugais me deixa com gases. Sinto muitíssimo.

E num tilintar de copos todos haviam esquecido o incidente. Menos o garçom, que passou a me servir apenas patê de presunto.

CEVDM

CONVIDO A TODOS A DAREM UMA LIDINHA NOS OUTROS TEXTOS. AGRADEÇO A VISITA DESDE JÁ E OS POSSÍVEIS COMENTÁRIOS. AMPLEXOS CORDIAS DO SEU AMIGO RECANTISTA