NO LIMIAR DOS SONHOS!...

Ricardo, um jovem esbelto, na sua flora da idade, certo dia ao acordar, e em frente ao espelho, questionou-se a si mesmo:

_ Quem és tu, que pareces igual a mim mesmo e no entanto estás tão distante?Veste da mesma forma e por vezes andas despedaçado e caído aos farrapos.

A jovialidade deste rapaz entrava em contraste com o seu espírito.

Qual o porquê desta contradição?

O moço, que tinha sonhos para revelar, sentia-se revoltado.

Do lado de lá do espelho, a imagem mirabolante de um rosto desgastado e amargo.

Ricardo queria ser escritor.

Por isso se questionava então frente ao seu próprio ego, em cada manhã que punha os pés fora do lençol perfumado que a sua mãezinha com tanto carinho lhe aconchegava todas as noites, antes de adormecer.

O pai já tinha partido para a outra vida, e mesmo sendo filho único, era complicado sustentar a sua barriguita, que pedia alimento para fortalecer o corpo e a mente.

Um dia, ao chegar da escola, depois de um reforçado e refrescante lanche, o míudo decidiu ir dar um passeio pelo campo.

Lá foi caminhando pela berma da estrada, quando de repente, vira aproximar-se dele um carro preto.

Lá dentro, alguém accionou os vidros electricos e lhe perguntava:

_ Para onde vais?

Hesitante, o rapaz, ainda disse que nem sequer o conhecia.

_ Para quê isso, s ete posso levar à fama?_ Repsondeu o homem do carro.

Ricardo, ao ter escutado estas palavras, nem pensou duas vezes.

Subiu repentinamente para a viatura, sem sequer se lembrar da sua pobre mãe.

_Para onde me leva?_ Perguntou com voz trémula.

_Não tenhas receio. Soube lá na tua escola que gostarias de ser um escritor famoso. Vou-te dar a conhecer algo que te interessará e te fará despertar mais o interesse por essa arte.

Os minutos iam passando sem se darem conta.

Num certo momento estabam à entrada de um edifício.

_Onde estamos?_ Perguntou o rapazito.

Era nem mais nem menos a casa dos espelhos, a mesma que também eu visitara quando criança.

O jovem ficou admirado.

_Porquê trazer-me a este lugar, se em minha casa também tenho um espelho?

A razão era simples.

Ali a dimensão era outra.

Havia-os de todos os tamanhos. Côncavos, ovais, etsreitos, etc, etc.

Mas Ricardo continuava sem perceber aquela deslocação.

_O que te perturba, meu fiel companheiro?_Perguntou-lhe Carlos.(era este o nome do homem que ali o encaminhara).

_tudo isto d efacto ,e fascina. Mas porquê a vinda a este local?

E Carlos foi explicando:

_Apenas para te dar a entender, que é com o sonho que podemos ir mais além.Com estes espelhos, apenas te quero explicar, que tal como te vês neles, assim poderás conduzir a tua existência. Já viste que há espelhos que te fazem mais gortdo, outros transformam-te num palito? Nostros ainda, vês-te com um sorriso e , logo a seguir, encontras um em que te vês triste. Assim são também os nossos sonhos.

Alegres, tristes, mais originais, ou somente, aquilo que nós próprios queremos que eles sejam.

Contudo, para que isso aconteça. para que se torne, realidade, é necessário esforço, muito trabalho principalmente. Tu ainda és muito novo, vive primeiro a tua vida, mas vai sempre pensando em construíres o teu verdadeiro sonho.

O rapaz ficou parado e comentou:

_ Mas já disse, e o senhor sabe que o meu sonho é ser escritor.

_Sim , meu menino, mas luta, porque pode chegar algum dia e esse sonho desfazer-se- disse Carlos.

Com uma explicação um tanto vulgar, os dois lá regressaram.

Ao chegar a casa, a mãe de Ricardo já estava preocupada,pois passavam duas horas do horário habitual em que ela se acostumara a abraçar o filho, quando regressava da habitação da D. Marina, onde trabalhava como arrumadeira.

_Onde estiveste?_Perguntou a mãe aflita.

_Fui passear com um senhor à casa dos espelhos.

A pobrezinha recomendou ao rapaz não mais sair com estranhos. O jovem tentou acalmá-la:

_Não te preocupes minha mãe. sei que há gente maldosa no mundo, mas vi no olhar daquele homem uma vontade diferente e um sorriso tão grande estampado no rosto, como se fosse alguém da nossa família a querer puxar o fio à meada de um novelo que se encontra num emaranhado tal, mas que queria tanto ver-lhe o fim.

Por entre estas palavras, Ricardo ia fechando os seus olhos, que acusavam algum cansaç0o.

A mãe apercebera-se e disse-lhe:

_Vai descansar, enquanto eu preparo a nossa comida, que mesmo pobre, não deixará de ter um sabor especial, só por te ter aqui ao meu lado.

Ricardo ficou comovido e aproximando-se, ergueu a sua cabecita e levou a boca às faces da sua mãe e beijou-as.

Esta deixou soltar uma lágrima, e por entre soluços disse:

_Deus te proteja.

O rapazito subiu as escadas de acesso ao seu quarto e estendeu-se na cama.Colocou as mãos sobre o peito e pediu ao Senhor protecção.

Deixou-se então dormir.

A mãe despois do jantar pronto ia para o chamar, mas ao ver aquela face de anjo tão calma, não teve coragem d eo acordar e regressou para a cozinha, deixando o seu pequenote continuando o seu sono.

Era mesmo um sono profundo.

Tão profundo, que tivera tempo suficiente de viajar em cavalinhos de papel, nadar nas águas do rio, baloiçar no vaivém do jardim, etc...

Ouviu-se até um lamento:

"Apetecia-me Voar, subir nas asas de uma borboleta colorida e passar por entre um arco-íris mágico."

Uma tela que pintada a rigor daria um quadro repleto de luz, se houvesse alguém no mundo que desse mais valor à purificação da alma humana e não se agarrase tanto a valores materiais.

Nesse insecto, levar a Paz aos quatro cantos do Universo e espalhar por cima das cidades, pedaços de pão que matassem a fome às crianças, que vítimas da guerra e perplexidade do Homem, as transformam por vezes nas suas ambições pessoais e as ferem no seu orgulho, estragando-lhe esses mesmos sonhos, que logo à partida se auto-destruirão.

A noite ia longa.

As estrelas cintilavam no céu por entre constelações.

Ricardo, já acordado, espreitara pela janela que tinha no quarto e pôs-se a contemplá-las.

Qaquele escuro da noite regelou-lhe a mente. Ao mirá-las algo lhe despertou curiosidade. Uma daquelas estrelas brilhava mais intensamente.

Abriu-se uma nova porta.

Pensou:

_"Se há algo que sempre tem outro resplendor, porqu~e pensar só no mal?"O sonho terá outro fulgor. A esperança pode ressuscitar e levar-nos muito longe.

Para uma vida sem preconceitos, sem racismo, sem submissões a jogos de poder. Enfim, um paraíso, onde Cristo pudesse entrar novamente, mas que não se arrependesse de aí ficar eternamente.

Amanhecera de novo.

Mais uma vez, como sempre, Ricardo fora para o colégio.

Quando chegou, contara o sonho que tivera nessa noite à professora de Português que o aconselhou a nunca deixar de sonhar.

O tempo fora passando por cima da vida de Ricardo.

Cresceu e agora, já com dezoito anos, parecia um homenzinho.

Sempre na frente do espelho, mirava o seu auto-retrato.

O corpo, esse estava diferente. A alma permanecia pura, como a de uma criança acabada de nascer.

Os sonhos transformaram-se. Os intuitos estavam agora mais definidos.

Ricardo, com grande sacrifício da mãe, estudava na Universidade.

O que esse ser não faz por um filho que lhe causou tanta dor ao parir.

à parte dos estudos, o rapaz arranjara uma ocupação extra.

Trabalhava d emanhã numa carpintaria, e à noitinha lá ia ele de batina para a Universidade.

Quem passava por ele nem o reconhecia, pois o preto daquela capa de estudante confundia-se com a cor da noite.

Queria ser um Homem a sério.

Recordara as frases do velho amigo que um dia o levara à tal casa momumental.

Mas lutara. Pelos sonhos, por ideais, pela vida.

Casou com uma linda rapariga de tranças louras, que lhe dera um rebento.

Fora o dia mais feliz que tivera.

Deixou para trás toda a crueldade do mundo, porque essa criança o fez voltar de novo aos seus tempos de menino.

Ricardo, sabia decerto, que esse bébé, trazia no olhar a trenura e apureza necessária à sua luta travada em cada instante.

Apesar das traquinices, próprias da idade, do seu choro nocturno, que por vezes chateava Ricardo, este pouco se importava.

Também ele, quando miúdo, fazia o mesmo.

No silêncio da noite, assim que o seu menino dormia, Ricardo podia finalmente dedicar-se ao seu sonho de infência.

Em frente ao seu computador, dedilhava o teclado com serenidade e puxava pela sua mente. A sua musa inspiradora talvez fosse a sua querida mãe.

Já partira desta vida. Talvez lá do assento etéreo, brote de quando em quando umas gotitas de água benta sobre a cabeça do seu filho.

Provavelmente, com elas, ricardo refresca a alma, e sente-se mais jovial para que se sinta inspirado e escreva sobre os mais vatiados temas da sociedade actual ou relembre os tempos em que seu pai ia trabalhar para o campo, com os pés descalços.

Ricardo era amnate da Natureza, repleta de encantos, e por isso também desenhava nos seus textos literários paisagens de pasmar, em que o dourado dos trigais dos campos do Alentejo se misturavam com o vermelho rubro das papoilas.

Descrevia as borboletas como se fossem pessoas.

Dava-lhes asas enormes para que se pudessem aguentar numa viagem longínqua à volta do mundo.

Para ele, as flores brotavam um aroma infinito.Um odor que permaneceria para todo o sempre.

Tudo isto para que a vida do ser humano pudesse apenas ter momentos agradáveis. Como seria bom.

A rotina de Ricardo levara uma virada.

A responsabilidade sobre as coisas, sobre cada acontecimento era agora maior.

Tivera o seu apogeu aos vinte e quatro anos, idade com que agora contava.

Editara o seu primeiro livro.

Uma compilação de poemas, intitualada"Novos Tempos...Otros Sonhos!", a recordar toda a importância que eles têm na vida das pessoas.

Em sua homenagem, tivera a festa de lançamento e os eu nome levou-o à fama.

Vinha agora nos jornais da região, e passava igualmente o anúncio na rádio local.

Ricardo nunca mais parou.

Dia após dia sentia-se mais inspirado.

Mas sempre com a nostalgia de não poder ter junto a ele quem lhe deu a vida.

Agora, onde quer que sua mãe esteja, sentir-se-á orgulhosa pela luta intensa com que Ricardo dera asas aos seus sonhos.

Todos nós " temos asas para voar".

Subirmos até ao céu, tocar as esterlas.Mergulhar nos Oceanos e pegar nas anémonas e depois vir à tona de água empoleirados no dorso de um golfinho.

Olharmos o horizonte e vermos o sol a esconder-se. Não a fugir de nós , mas apenas, a mudar de lugar.

Procurar novos rumos e iluminar outras mentes.

Cavalgar num cavalo de pau como nos contos de fadas.

Escutar a voz melodiosa das sereias, encostadas às rochas da praia.

Também ele, conhecera a sua cara-metade, quando num dia escaldante, dera uma escapadinha às aulas e fora até ao areal.

Por entre soluços balbuciantes, ouvira alguém que lhe chamara atenção.

Aproximou-se e deparou com Margarida.

Lavada em lágrimas e sufocante, ainda tentou fugir, mas Ricardo segurara-a por um bbraço e aconchegou-a a seu peito e fê-la sentir-se mais calma.

Trocaram de olhares e foi amor à primeira vista.

Tinham traços em comum. o que fez com que se compreendessem ainda melhor um ao outro.

A partir dái, a história já vocês conhecem.

Maldito tempo, que corre veloz por cima da nossa curta existência.

Passaram dez anos.

José, o seu filho, crescera e ingressava no segundo ciclo.

Um dia seu pai, à hora da saída. quis-lhe fazer uma surpresa.

Levou-o a comer um gelado e depois pediu-lhe que o acompanhasse.

Telefonou á esposa para que não os esperasse tão cedo em casa naquela tarde.

Ir-se-iam demorar.

Foram a pé. Sabia que ia ser desgastante para o petiz, mas estava confiante que ele conseguira superar a etapa.

Duas horas de caminhada. Até onde?

Até onde há muitos anos tr´+as alguém o levara também.

_Sabes filhote, porque te trago aqui?-Indagou Ricardo.

_Não sei meu pai- Vais-me dizer?

Com a slágrimas a correrem-lhe pelo rosto. Ricardo pegou na mão inocente d eJosé e disse-lhe:

_Foi aqui que adquiri muito do que hoje tenho.

_Como assim?_Perguntou o menino.

_Aqui, alguém me disse um dia, ao olhar estes espelhos que toda a nossa vida s epode transformar a cada instante.Só temos é que lutar pelos ideais que pretendemos, mas com muito sacrifício.

Agora José percebera porquê aquele passeio cansativo.

Tem que haver sempre algo que nops dê força para continuarmos. Alguém que faça com que o sonho de subirmos na vida nunca morra.

O desejo de sermos alguém eleva-nos a moral.

A auto-estima, o próprio ego, surge como que o virar cada página de um livro que folheamos à cabeceira antes de adormecer.

O telemóvel tocara.

Era Margarida que queria saber se ainda se demoravam.

Já estaca preocupada.

Para que a criatura não ficasse na expectativa de que algo acontecesse, decidiram regressar.

De volta, José detivera-se por segundos frente ao jardim.

Decidiu entrar naquele recanto e colher do canteiro mais florido que ali havia, uma rosa.

Agarrou nela com cuidado, refugiou-se num café e pediu emprestada uma tesoura para cortar todos os espinhos daquela flor.

O pai questionara-se_

_Para que queres essa rosa?

_É para a mãe. Vais ver como ficará contente_Dissera José.

Não quero que a minha maior amiga se magoe.

Quero que me vejam crescer como vocês. Saudável e correr pelos prados lá do monte onde tu, paizinho, tanto gostavas de brincar.

José revelara um segredo a Ricardo.

_Sabes, tenho uma coisa para te contar.

_O que é meu filho_Perguntou Ricardo.

_Também eu, tenho um grande sonho. Gostaria muito de vir a ser um actor famoso. De pisar os grandes palcos do teatro e da revista. O que achas?

_Só tu, meu jovem, saberás o que te fará mais feliz. se escolheres o caminho errado, não te preocupes. Terás o apoio dos teus pais até que a gente possa: _disse Ricardo.

Mas José seguira pelo rumo certo.

Também ele estava conseguindo concretizar os projectos com que sonhara.

Ingressara numa escola de arte, para aperfeiçoar a voz e a técnica de representação e com dezanove anitos estreara-se no maria Vitória, numa peça dramática.

Fizera de actr principal.

Os pais assistiram com muita emoção às cenas interpretadas por José e sentiram-se muito orgulhosos.

Um final estonteante.

Todo o público vibrava e batia palmas sem parar. A certa altura fez-se silêncio.

José pedira aos espectadores a sua atenção.

Explicou-lhes o porquê de estar ali naquele sítio.

Pediu para que, se alguém ali presente tivesse sonhos como ele tivera que se levantasse.

Alguém surgiu no meio da multidão.Dirigiu-se para o palco.

Abraçou José e disse-lhe:

_Parabéns meu jovem. Soubeste lutar pela tua liberdade de expressão e por todas as tuas utopias.

Fazes-me lembrar alguém a quem eu ensinei que olhando um espelho, mesmo quebrado que esteja, nunca devemos desistir.

Devemos sim, juntar todos os pedaços e um a um, fazermos o puzzle das nossas quimeras.

Erguermos uma bandeira bem alto e gritar a uma só voz, que o sonho é o papel mais importante na vida de um ser.

E haverá, por certo também, aqui nesta sala, quem o possa confirmar.

Ricardo levantou-se e foi também para o palco.

Apercebeu-se de toda aquela vibração que lhe enchia o coração e o fazia explodir de alegria.

Esse outro homem, que ali se encontrava, tinha agora setenta e nove anos de idade.

Era o seu amigo de infância, que o levara ao estrelato.

Ricardo, emocionado, abraçara-se ao velhote e contara-lhe que aquele jovem que ali estava, era seu filho, e que tal como elem também lutara por um projecto, por um Sonho.

A plateia estava ao rubro.

Margarida correra ao encontro do marido e do filho e com lágrimas abraçara-os fortemente.

Nem o Sr. Carlos deixou de ser felicitado.

Margarida agradecera-lhe pelos conselhos que dera outrora aRicardo para que este posteriormente os pudesse transmitira a José.

E esperava-se agora, que também o rapaz, pudesse tirar proveito desses ensinamentos e os passasse de geração em geração.

Uma beldade entrou por ali dentro com um grande bouquet de flores e distribui-as pelos artistas, por Carlos, por Ricardo e por Matgarida.

Depois saíu e voltou instantaneamente com malmequeres.

Atirou-os um a um ao público que das cadeiras doa uditório todos se levantavam e se ouviam em únissono:

_Viva os sonhos, porque quem sonha terá sempre dentro de si um motivo para sorrir e festejar.

E porque já assim o poeta dizia, entoavam:

"Eles não sabem que o sonho

É uma constante da vida

Tão concreta e definida

E que sempre que um homem sonha

O mundo pula e avança

Como bola colorida

Entre as Mãos de uma Criança."

Renato Valadeiro

O Poeta Alentejano
Enviado por O Poeta Alentejano em 14/09/2009
Código do texto: T1810149
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