Amargo.

Acendeu um cigarro e soltou a fumaça no ar, não se sabe se um sopro ou um suspiro solitário.

Era sábado a noite, no pensamento alguns sonhos, na realidade diversos pesadelos, por dentro um coração quebrado, por fora, lágrimas lavando o rosto sem maquiagem, pálido, triste, com olheiras de noites não dormidas, parecia que o mundo havia acabado, embora soubesse que o que realmente acabou foi aquele coração bobo que tentava entre trancos e barrancos se amarrar em algum meado de esperança.

Comprou algumas balas e tentou tornar-se internamente doce, mas o amargo da boca não deixava com que nada adocicasse o amargo das lágrimas, o amargo da vida, era muito amargo pra quem um dia acreditou que tudo era doce, bastasse acreditar. No quarto alguns papéis, algumas escritas indefinidas, alguns textos com teorias loucas, sem sentido, algumas cartas sobre a cama, e o olhar de lembranças frustradas.

“Nem foi tempo perdido, somos tão jovens”, gritava Renato Russo no rádio, chorava a garota na sua solidão, pensando em quantos planos se perderam no caminho em que ela mesmo não soube seguir, um caminho bonito, mas que apresenta muitos túneis no fim de cada luz.

Vontade de ir embora, de fugir, de morar entre as montanhas que o sol toca no fim de todas as tardes, sozinha, com um bom vinho, alguns CDs, e as memórias de Caio, um sonho diferente daquele de morar no 18º andar da Augusta, chorando a solidão enquanto as lágrimas antes de cair lá embaixo voassem para longe e evaporassem no infinito rumo ao nada, um sonho mais diferente ainda do que aquele em que a casa era repleta de cachorros, paredes vermelhas, estabilidade afetiva, um filho, dragões, carpas, e uma biblioteca gigante para um possível refugio, um refugio inexistente hoje, agora, onde a dor toma conta dos quatro cantos do quarto, abrindo as janelas e tocando o céu, uma vontade imensa de refugiar-se para dentro de si mesma, sumindo aos poucos, até não sobrar nenhuma memória daquela garota que um dia dançou a vida até os pés doerem, e ergueu os braços sorrindo para a eternidade, acreditando ter achado o pote de ouro que tornaria a vida simbolicamente rica, sem nunca imaginar que aquele pote de ouro não passara de pedrinhas coloridas com tempo definido, pedrinhas que se acabaram, deixando somente um pote oco, mas que escondia toda uma história de quem um dia encontrou e negou o paraíso, se perdendo em meio a tantas pretensões de abraçar o mundo com as mãos, sem ao menos se tocar que o mundo é muito grande, tão grande quanto ao amargo sobrevivente de tudo o que foi doce.

Carla Carina
Enviado por Carla Carina em 19/09/2009
Código do texto: T1820040
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