A ETERNIDADE ACABA AGORA

“Já li por aí que um dos sonhos mais antigos do ser humano e alcançar a eternidade. Inclusive por conta disso teriam inventado a tal da alma, numa tentativa desesperada de nunca deixar de existir. Na verdade, a finitude nos persegue desde os tempos das cavernas, só que naquela época ela se chamava tigre dentes-de-sabre, e nos comia”.

“Temos um medo incrível de passarmos por este planetinha azul, perdido no cosmos, e não deixarmos nenhuma marquinha que nos lembre. Somos uma espécie pretensiosa, por algum acaso da natureza nos tornamos seres conscientes de nós mesmos e achamos que isso nos faz especiais. Quanta bobagem. Inventamos até seres supranaturais, dotados de poderes extraordinários, capazes inclusive de explicar a nossa necessidade de sermos imortais. Os deuses, ou deus, no caso do monoteísmo, nos fizeram assim, eternos.

“Não podemos simplesmente aceitar que o dia em que morrermos simplesmente acabou, que desapareceremos enquanto inteligências individuais, que somente nossos ossos servirão de testemunha, para futuros arqueólogos, da nossa existência? Ficamos atrelados a esta urgência de vivermos, de alguma forma, para sempre que tentamos desesperadamente aceitar esta ficção científica chamada espírito, alma, deus, imortalidade, eternidade.

“Nada é eterno. Este conceito não vale nem para o universo. Um dia a entropia irá devorar o cosmo e bilhões de anos não significarão nada. Somos tão tolos”.

_ Senhor? Senhor, desculpe lhe interromper, mas a cirurgia da sua esposa... Bem, o médico deseja lhe falar.

_ Não me interrompe, estava terminando este artigo para uma revista científica. Pronto, esta salvo.

Assim era Paulo, não parava de trabalhar em nenhuma circunstância. Talvez por isso mesmo tenha se tornado um jovem e promissor biólogo. Após seu doutorado em Havard, foi convidado por uma grande empresa do ramo petrolífero para emitir pareceres de impacto ambiental em áreas extrativistas no meio do Oceano Pacífico. Sua formação acadêmica e sua posição profissional ainda o levavam a escrever para diferentes periódicos de divulgação científica.

Sua esposa, Jordan, uma americana formada em letras pela mesma instituição de Paulo, há alguns meses foi diagnosticada com um tumor no útero, possível de ser operado, disseram. Apesar de debilitada, era uma mulher de fibra, e encarava o problema com esperança e poesia. Dizia para o marido: _ Tenho um Leviatã em meu ventre. Não temas, irão extirpá-lo antes que ele me conduza para o vale das sombras.

_ Olá doutor, meu nome é Paulo, sou esposo de Jordan, ela passa bem? Já posso vê-la?

_ Senhor Paulo, não sei bem como lhe dar esta notícia, mas houve complicações na cirurgia da sua esposa. O tumor estava mais profundo do que imaginávamos. A extração do mesmo foi seguida por uma forte e imprevista hemorragia. Senhor... Fizemos tudo que era possível... Eu sinto muito.

Estas palavras transmutaram o cientista racional num mar de confusão e de pensamentos desconexos, uma criatura destinada ao eterno limbo de um amor não vivido na plenitude, um ser amaldiçoado por uma finitude que agora lhe soava cruel.

Paulo retornou ao quarto de Jordan, sem saber o que pensar, o que fazer, como respirar. Sentou-se, na esperança do mundo voltar a fazer sentido. As lágrimas vertiam pelo seu rosto, e uma explosão de angustia fez com que gritasse. O homem ponderado havia abandonado aquele corpo, só restava um pesar monumental.

Passados alguns minutos, que poderiam ter sido horas, Paulo levantou os olhos e viu seu notebook com a tela levantada. Este fato lhe chamou a atenção, já que tinha a certeza de ter abaixado o monitor antes de sair para receber a fatídica notícia. Quando seus olhos puderam então ler o que estava escrito no editor de texto, seu coração deixou de bater por alguns milésimos de segundo, suas lágrimas secaram e um riso descontrolado escapava-lhe da boca.

_ Meu muito amado marido, o Leviatã apenas venceu o corpo, mas meu espírito repousa entre pares. Sou agora poesia nos céus.

Paulo abriu o arquivo que guardava o artigo que acabara a pouco e fez o que seu coração ordenou. Apertou a tecla ‘del’.

CEVDM