A MULHER NA CADEIRA DE RODAS

Na verdade essa história não começa quando ela já era uma mulher e entendia tudo, não. A história começa quando ela ainda era uma menina bem pequena, ainda criança.

Um dia colocaram a menina sentada, apenas sentada, mas não podia se levantar. Primeiro porque não deixavam, segundo porque se sentia travada, presa àquela cadeira. Não entendia bem que doença era tão grave que a deixava escrava daquela cadeira, daquele lugar, mas ficava resignada, afinal, se tinha que ficar, ficava.

As doenças foram chegando de maneiras diferentes e ela sempre sentada ali, parada, aceitando aquilo que ninguém sabia explicar, doença grave. Mas que doenças eram aquelas que não a deixavam andar? E desde pequena, bem pequena.

Os anos foram passando, passando...

Às vezes conseguia dar alguns passos, ficava contente por tentar e conseguir, mas logo vinha a ordem: é sentada! Não pode andar sozinha, não percebe? E ela, ela sentava, não sabia fazer outra coisa. Os músculos foram enfraquecendo, atrofiando e mais dificultava seu andar.

Na adolescência se sentiu melhor e ousou dar alguns passos, exercitou, buscou ajuda e até andou, andou durante muitos anos. Foi difícil aquela ousadia, mas a força e a vontade eram maiores que a doença. Como foi gostoso andar, correr, dançar, sentir o vento no rosto, a chuva molhando a face, quando percebeu que não era a chuva, não, não era, que desespero... precisava sentar e pensar.

Novamente ela sentou, e pensou, e refletiu, e chegou à conclusão que o rosto estava molhado por lágrimas, e enfraqueceu, caiu. Precisava de alguém que a ajudasse a levantar. Já não era tão nova, a vida passava, quem iria ajudar?

Então a mocinha, sentada, esperou.

Enquanto crescia, esperava.

Quem sabe um príncipe encantado como lia nos contos de fadas?

Quem sabe um beijo a libertasse daquela paralisia?

Ah, era tão bom sonhar... e sonhar era uma coisa que podia fazer ali mesmo, na cadeira. Sonhar não cansa, sonhar é permitido, ninguém vê, ninguém proíbe...

Isso! Descobriu um segredo! Era preciso sonhar. Era preciso viver através dos sonhos. E como sonhou, como viveu, ali mesmo travada, sem sair do lugar, apenas entregando sua mente ao vento, deixando voar nas nuvens seus sentimentos, mas ainda estava ali.

Cresceu, cresceu muito e virou uma mulher.

Da cadeirinha passou para uma maior e depois, como precisava se mexer um pouco, se locomover, a colocaram numa cadeira de rodas.

No princípio ela se enganou, achou que, como se movimentava, estava livre. Podia sair, andar pela casa, trabalhar como todo mundo que conhecia, realizar os sonhos que foi juntando no colo enquanto ficava sentadinha.

Depois foi percebendo que, não mais como era quando criança, mas ainda presa. Não entendia, presa no quê? Presa onde? Ela se mexia, corria, conhecia lugares novos, o que havia de errado?

Olhou no espelho e se deparou com uma mulher sentada numa cadeira de rodas. Quanta tristeza.

Apenas cresceu, mudou de cadeira, chegaram outras doenças, mas ela permanecia travada, sentada, parada no tempo, precisando de ajuda.

As pessoas foram se acostumando com aquela deficiência e já passavam por ela sem perceber que ela pedia ajuda. Mas ela gritava tanto. Será que estava também ficando sem voz? Era isso. Além de estar travada, presa, também ficava sem voz. Ali, no cantinho da vida, ali sem incomodar, e agora, calada.

Que pena! Tinha guardado tantos sonhos. Tinha tanto conhecimento para passar, tinha tanto que queria ouvir, tinha tanto que queria gritar, mas parou e calou.

Um dia, depois de muito esforço, se mexeu.

Quis gritar e a voz não saía mais. Se conformou.

Mas conseguiu um pequeno movimento e, de repente, da maneira que se mexeu, todos aqueles sonhos acumulados no seu colo, caíram pelo chão.

As pessoas nem viram, apenas passaram e seus sonhos se espalharam.

Tudo acabou...

A mulher e a sua cadeira de rodas.

Enfim, não se mexia mais.

Mariza Schröder
Enviado por Mariza Schröder em 23/09/2009
Reeditado em 21/10/2013
Código do texto: T1826771
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