Segredo

(Inspirado em fantasias reais. Em festas dolorosas. Em arrependimentos tardios. Desejos insanos de segundas chances. Para alguém que foi especial se existisse.)

Tanta coisa para dizer. Entre eles, entretanto, apenas o silêncio. O silêncio das palavras não faladas; porque a música, ainda que distante, se ouvia. A grama, as filas de cadeiras vazias, o céu de noite limpa e clara ainda que sem estrelas. Duas das cadeiras, ocupadas por ele e por ela. Lá dentro, lá longe, a festa, já no fim. Latas de cerveja pelo chão. Copos de plástico espalhados, alguns inteiros, outros amassados. Salgadinhos metade comidos, espalhados pelo assoalho e pelas mesas. Entre eles, apesar de tudo o que ela gostaria de dizer, apenas o silêncio.

Ele, uma perna esticada e a outra flexionada, sentado ao lado dela, olhava para o copo em sua mão. Ela, sentada ao lado dele, perna de índio, cabeça pendendo para o lado, olhava para um ponto fixo no nada. Entre eles, o silêncio, pois ela permanecia calada. Poderia ser piada, risada, brincadeiras. Poderia, entre eles, fazer conversa, contar histórias, acontecer briga. Mas nada, nada além do silêncio. Para ela, pesando. Pesando feito mundo quando resolve desabar em nossos ombros. Pesando nas cadeiras de plástico, na noite sem estrelas, na música longínqua da festa, nas latas vazias, nos copos espalhados, nos restos de comida. Nas pernas dele e nas pernas dela. Sobretudo, pesando dentro, como se abafasse o coração e o dilacerasse em milhões de pequenos pedacinhos. Pesando de forma a matá-lo, pesando de forma a ser aquele coração mais um dos itens espalhados sobre a grama, sobre o chão, sobre as mesas; esquecido por completo.

Olhando ainda em seu ponto fixo no nada, culpava e amaldiçoava em pensamentos, o tempo, descompassado e distraído e crucial. A cabeça pendeu para o outro lado. De que adiantava dizer que agora – agora, e não antes – queria, gostava, precisava, amava e todos os outros “ias” e “avas”. Agora, e não antes, no agora que não faz diferença, e não no antes em que tudo era possível, ela escolhia ficar calada.

Chegou em casa. A cabeça já não pendia para lado algum. Mirava cabisbaixa, o chão que precisava ser varrido, o sapato que deveria ser engraxado, o elástico de cabelo que não achara quando procurara. Juntou-o do chão, amarrou o cabelo, tirou os sapatos. Tanto que não foi dito.

Tanto que já não basta.

Tanto que já não encaixa.

Que já não pode ser negado. Que precisa ser dito.

Já não se pode dizer que certas palavras bastam. Que amizade basta. Que amizade é. Não se pode evitar o ciúme louco surgindo ao ouvi-lo falando de outras. Outras quaisquer que não fosse ela. Já não se pode evitar dizer que o quer só para ela. Todo dela e de todas as formas e em todos os sentidos e em qualquer posição.

Não pode dizer que não tem uma vontade louca de beijar, sentir, se entregar, pegar em sua mão e pender a cabeça em seu ombro. Não pode dizer eu te amo sem notar que ama de outro modo. Não pode aconselhar sem querer direcioná-lo para o seu caminho. Não pode opinar sem, inocentemente, querer favorecer a si mesma. Não pode receber seu beijo na bochecha sem querer virar o rosto e oferecer a boca.

Tanto a dizer, não dito, não podendo ser dito. Não se pode dizer que não o quer para ela, todo dela, duma forma especial. Loucura, paixão, guerra, sexo, amor, carinho, amizade, sob uma circunstancia específica.

Pode-se dizer que houve uma chance. Tempos atrás, no antes; já perdida. Pode-se dizer que dói. Que constantemente desespera. Já não se pode dizer que - às vezes, sempre, hoje, ontem e quem sabe amanhã - o silêncio não incomoda. Pouco.

Anna P
Enviado por Anna P em 28/06/2006
Código do texto: T183533